Progressões Por Sorteio
A carreira dos professores bateu no fundo. Pior só na plenitude da selva. A simulação de mitigação, sem selfies e com muitíssima imaginação, é mais um episódio surreal com a recuperação do tempo de serviço. Os dois anos e tal não são contabilizados a todos os professores a partir da mesma data, como seria civilizado. A contagem só se verificará quando o professor mudar de escalão a partir de 1 de Janeiro de 2019. Um professor que mudou para o escalão x em Janeiro de 2018, transitará para o seguinte em 2022 (se for de 4 anos, claro) onde somará os 2 anos e tal. Outro professor menos posicionado no mesmo escalão e que mude, por exemplo, em Abril de 2019, avança de imediato 2 anos e tal e ultrapassa o colega melhor posicionado garantido um acréscimo relativo no estatuto remuneratório. E ficávamos o dia todo a multiplicar exemplos. E ainda há, com outro diploma sobre progressões, mais ultrapassagens de arrepiar. Resta uma interrogação: como é que é possível tanto desprezo pela profissionalidade dos professores?
Dizem-me que a ideia é dividir os professores. Custa-me acreditar nesse maquiavelismo, mas é estranho que PR, Governo e Parlamento conjuguem tanta impreparação. É evidente que os portugueses já estranham os protestos dos professores. Os professores parecem os eternos insatisfeitos. Mas desde 2003 que é isto ciclicamente e 16 anos é um tempo apreciável. Casos como o relatado são constantes nos concursos e na carreira. A carreira já é a que tem mais travões e menos aceleradores na generalidade da administração pública e duvido que exista alguém que domine a sua totalidade sem problemas de "sintaxe" ou semântica. Estamos perante um processo que se explica com a parábola do "quarto chinês" (texto de John Searle que se encontra no livro "Mente, Cérebro e Ciência"). A irritação dos professores aumenta em proporcionalidade directa com a institucionalização da lógica de sorteio da Santa Casa da Misericórdia que preside à profissionalidade. Não nos admiremos, portanto, que o sentimento de "fuga" se generalize em paralelo com o desaparecimento de candidatos.
Imagem: cartoon de Luís Afonso. Adaptei o texto.