Municipalização em Modo Espontâneo
Por vezes, o telejornal da RTP2, 21h30, termina com um curto debate onde a reduzida audiência estimula a espontaneidade. Ontem, discutiu-se a municipalização em curso com a presença de dois presidentes de Câmara: Porto (é totalmente contra) e Caminha (é a favor quase na totalidade). O primeiro disse que já foi a favor, mas mudou radicalmente de posição por causa da educação. Explicou-se, com a seguinte terminologia: "não quero ficar apenas com a responsabilidade dos edifícios e dos auxiliares e não mandar em tudo, nomeadamente nos currículos, que era o que estava decidido quando concordei". Acrescentou: "se uma escola ficar sem alunos, só quem mandar em tudo é que pode resolver o problema". Não percebi. Só se é aquela coisa do país pequeno com mais de cinquenta quadros de divisão administrativa, quando o moderno e razoável seria um, e que ao primeiro abanão financeiro entra em bancarrota (mais ainda com a endémica corrupção). Mas é assim. Falta saber-se o que leva um autarca a querer "mandar em tudo", currículos e tudo, e a não perceber o susto das pessoas quando imaginam trezentos e tal ministérios da educação plenipotenciários.
Imagem: estado de exílio. Pintura: Napoleon Bonaparte, de Benjamim Robert Haydon, National Gallery, Londres.
Nota: se formos prospectivos e alertarmos para riscos, e se recordarmos que a crescente falta de professores era uma questão de tempo (e nada acontece na atractividade da carreira; bem pelo contrário), e se imaginarmos uma recessão em municipalização plena, nem precisaremos de invocar aquele estado americano mais radical que subtraiu despesa reduzindo para três os dias escolares semanais. Qualquer pessoa informada sabe que por cada dois professores que se reformem com redução lectiva por idade entrará um. Também sabe que se agravar as condições da carreira (mais alunos por turma, mais turmas por professor e ausência de redução lectiva por idade) e se aplicar cortes curriculares, reduz a necessidade de professores. Só que não sei se sabe que será uma carreira tão infernal e um recuo civilizacional tão preocupante no ensino público, que era aconselhado ler os extremistas dos EUA que se estamparam com a receita dos três dias (por exemplo, Diane Ravitch, ex-governante no 1º Bush, avisou-os e mudou radicalmente de posição em "O reinado do erro: A farsa do movimento de desestatização e o perigo para as escolas públicas da América"), antes da espontaneidade ultrapassar a questão de tempo para municipalizar em modo "mandar em tudo".