Mais ingénuos do que os suecos
![]()
Pelo Público em 25 de Setembro de 2025. O texto tem 6 ligações. A leitura na edição do Público é de acesso gratuito. Como acordado, o texto está publicado no blogue.
Título: Mais ingénuos do que os suecos
Texto.
Não se espera que os governantes sejam ingénuos e é grave que isso aconteça em políticas estruturantes. Aliás, qualquer análise sobre a distinta arte de fazer política exclui a ingenuidade e eleva a idoneidade, a astúcia, a cultura política, as ideias claras e sólidas, e a capacidade de governar em favor do bem comum e da inclusão; e considera essencial uma boa dose de realismo nas considerações sobre a natureza humana.
Foi, portanto, com pasmo que se leu a muito boa entrevista do Público ao advogado sueco Johan Pehrson, que foi ministro da Educação até Junho de 2025. Pehrson liderou o partido Liberais e considera-se um capitalista ingénuo, uma vez que só agora e muito tardiamente retira a educação da equação neoliberal. O título da entrevista é concludente: "“fomos ingénuos”: a Suécia, pioneira na digitalização da Educação, está “a voltar ao papel e à caneta”".
Mas a entrevista a Pehrson retrata duas ingenuidades que, como veremos, assolam Portugal: o digital e a entrega da educação aos municípios e à gestão privada. Comecemos pela primeira, recordando que ambas são responsáveis pela queda das aprendizagens dos alunos suecos.
De facto, há mais de uma década que se percebia a adicção tecnológica de crianças e de adolescentes. Se se identificava em Portugal, também se devia notar na ingénua Suécia e no resto do Ocidente. E para além da escola e da desatenção na leitura em ecrãs e dos excessos nas pedagogias de gamificação, as evidências da solidão, da obesidade e do bullying exigiam proibições - até aos 16 ou 18 anos de idade - no acesso a redes sociais, a jogos digitais no smartphone e a navegadores da internet.
Mas o smartphone, que fascinou os adultos e os impediu de criar regras para os mais pequenos, foi o poderoso instrumento de mercado das gigantes tecnológicas, ignorado por uma esquerda informada, mas inebriada por um intelectualismo vintage, e depois usado sem escrúpulos pela extrema-direita. A desinformação, o ódio, o racismo, a misoginia e a violência fizeram o seu caminho e os jovens eleitores apresentam-se radicalizados. As desesperadas proibições na escola darão uma ajuda educativa (num próximo texto descreverei o neoludismo escolar que tenta "parar o vento com as mãos"), mas o flagelo responsabiliza uma sociedade confrontada com o crepúsculo da democracia.
Por outro lado, o segundo pilar da ingenuidade sueca remete-nos para a década de 1990. Sumariamente, as políticas neoliberais, importadas dos EUA, incluíam cortes brutais na percentagem do PIB para a educação. Outros países nórdicos rejeitaram a receita, mas os ingénuos suecos não: escolheram o caminho da municipalização e da entrega da gestão das escolas a empresas privadas. Denominaram-no ensino independente (friskolor). A propaganda fatal baseava-se na extractiva liberdade de escolha da escola e na melhoria das avaliações escolares resumida numa divisa sem qualquer base científica: aprende-se sem esforço e em diversão, e sabemos como cada um o faz. Foi um desastre: ruinosas privatizações de lucros à custa de cortes no essencial, queda das aprendizagens e crescimento das desigualdades educativas em benefício das populações dos municípios mais ricos. Só recentemente se reconheceu a ingenuidade e decorre a reversão.
A ingenuidade portuguesa é muito semelhante no digital e tem mais nuances no segundo eixo. Na verdade, o arco da governação (PS, PSD e CDS) entrou no século XXI determinado em cortar a eito na educação (a percentagem do PIB veio de 6,7%, em 2001, para os actuais 2,9%) com um lema neoliberal: "fazer mais com menos". Influentes políticos da educação (ex-governantes, deputados, académicos e professores) viam na empresa privada Grupo GPS (ensino particular e cooperativo) um laboratório da agenda a ser aplicada nas escolas públicas: proletarização dos professores, despotismo na gestão das escolas, avaliação absurda de profissionais, burocracia como inversão do ónus da prova e inflação das classificações dos alunos.
Duas décadas depois, esta ingenuidade perdura num clima de falta de professores, de desautorizações do ensino, de indisciplina nas salas de aula e de queda das aprendizagens. Se o PS apenas travou o Grupo GPS em 2015 e só agora, tardiamente e na oposição, reconhece o grave erro na gestão das escolas, a AD legislou, em 2023, a recuperação faseada do tempo de serviço dos professores, mas os seus governantes são mais ingénuos do que os suecos: reduziram a capacidade técnica do poder central com mais uma lei orgânica descentralizadora, prometeram um estatuto autocrata do director escolar e kafkianos prémios de desempenho, e insistem na criação de uma aura que privatize a gestão das escolas.
