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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

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Entre o passado e o futuro

28.03.25, Paulo Prudêncio

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Pela edição impressa da Gazeta das Caldas (Guia 2025/26 - Ensino & Formação) em 27 de Março de 2025. Como acordado, o texto está publicado no blogue.

Título: Entre o passado e o futuro

Texto:

As democracias ocidentais entraram na terceira década do século XXI com duas crises estruturais que fragilizam o desenvolvimento de cidadãos livres e respeitados nos direitos fundamentais: falta de professores e exposição de crianças e jovens à selva digital. E apesar da incerteza com o futuro, as gerações que governam têm o dever de cuidar do legado democrático que receberam e de renovar a esperança. 

Para isso, olhe-se o passado no Ocidente, entre 1950 e 1970, em que a ideia de escola pública de qualidade - com professores confiantes e respeitados e simultaneamente exigente e inclusiva - sustentaria a saída da pobreza. Aliás, foi nesse período que se registou a menor desigualdade na História dos rendimentos por declínio das grandes fortunas na segunda-guerra mundial. Mas a crise petrolífera de 1973 abalou o ideário, com cortes nas políticas públicas (que incluíam os professores) e com efeitos na democratização da escola e na redução das desigualdades. Só os nórdicos não seguiram a receita. Como Portugal vivia em ditadura, o fenómeno atrasou-se e eclodiu 30 anos após o 25 de Abril de 1974.

Mas a mudança de milénio recuperou a esperança e a escola de qualidade para todos. Acreditava-se que a economia numa sociedade em rede seria a "maré enchente que faria subir todos os barcos". Prometia-se mais tempo livre para a educação das crianças. A internet e o software com vasto alcance administrativo generalizavam-se e abrangiam as escolas. A tecnologia seria libertadora e não rivalizaria com a natureza.

Mas falhou. Para além da euforia com o lucro alimentar a redução de custos com professores assente em três eixos - precarização, autocracia na gestão das escolas e burocracia infernal como prestação de contas e avaliação de desempenho -, negligenciou-se que o individualismo obsessivo, fomentado pela meritocracia de todos contra todos, teria um retorno devastador. 

Por outro lado, a economicista escola a tempo inteiro retirou a sociedade das responsabilidades educativas e as crianças do espaço público. Agravou-se na segunda década do milénio, com as gigantes tecnológicas a tornarem-se "totalitárias" na economia, na globalização e nos excessos no uso da internet. A sua hierarquia de investimentos - ensino à distância, 5G, telemedicina, drones e comércio online - reforçou o isolamento físico, a adicção tecnológica de crianças e jovens - aplicações como o tiktok, concebidas com o algoritmo do ódio e das notícias falsas, orientaram o voto dos jovens para forças extremistas e violentas - e a engenharia sociológica e financeira que aspira reduzir professores com a tele-escola 2.0.

Para além da fragilização da democracia, o Ocidente não consegue atrair professores e regular o digital. E Portugal atrasou-se. Só em 2022 saiu do estado de negação e assumiu as duas crises. Agora, não adianta elaborar impossíveis. Se o pêndulo da condição humana está a oscilar entre a incerteza e o pânico, resta acelerar a recuperação assumindo que a limitação do digital exige uma determinação colectiva.

Retome-se a ideia de Europa sem complexos de superioridade ou inferioridade. Recupere-se o clima escolar democrático que respeite os professores e os direitos fundamentais de todos. Contagiará a sociedade. Se todas as culturas fizeram descobertas científicas e intelectuais, só no velho continente se procurou o conhecimento desinteressado. Pois foi precisamente neste ponto que falharam a escola e a sociedade. Na verdade, a obsessão com o individualismo eliminou a cooperação e subvalorizou a fundadora geometria da escola e uma marca da humanidade: professores, alunos e conhecimentos. Trata-se de recomeçar.

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