e lembrei-me de kafka
Certo dia, recebo uma assistente social que, e ao que a memória me diz, representava os serviços sociais do ministério da justiça. Vinha com a firme determinação de ajudar a resolver um problema relacionado com uma família com as características da zona envolvente: a uma pobreza chocante, associava-se uma habitação degradada e só com um quarto; tinham sete filhos, salvo erro.
As minhas tarefas exigiam-me um alucinante desdobramento. Para ganharmos tempo, propus que os visitássemos: fomos a pé, a distância era curta, e conversámos sobre as soluções.
Estávamos em plena segunda-feira. Aproximámo-nos da habitação e quando nos preparávamos para bater à porta demos com um papel com a seguinte inscrição: "só recebemos assistentes sociais às 5ª feiras das 13.00 às 14.00".
Ficámos estarrecidos e sem palavras. Lá nos recompusemos, sorrimos, trocámos algumas opiniões sobre o futuro e partimos.
Mas não me esqueci da intrigante determinação. Tempos depois, encontro o pai da família e interrogo-o: "fui a sua casa com uma assistente social mas o senhor não estava. Mas por que é que só recebe os assistentes sociais naquele dia?"
Respondeu-me prontamente: "sabe: passo a vida a receber assistentes sociais que vêm das mais variadas instituições; fazem-me inquéritos e mais inquéritos, querem saber tudo, devassam a minha vida e depois nunca acontece nada. E já lá vão uns anos nisto. Também tenho direito à minha privacidade. Sou pobre, eu sei, mas mereço algum respeito".
Teve, em mim, um efeito simultâneo: uma lição de vida e um redobrar de energias.