da primeira elegia
A poesia de Rainer Maria Rilke não é fácil e é preciso reler algumas vezes. O resultado é sempre sublime. É um dos meus poetas preferidos.
Uma das suas obras maiores, "As elegias de Duíno", confunde-se com a aura do local onde o poeta a iniciou: o castelo de Duíno que se situa perto da cidade de Trieste e sobre o mar Adriático.
Deixo-vos uma parte - na tradução de Maria Teresa Dias Furtado - da primeira elegia.
Se eu gritar quem poderá ouvir-me, nas hierarquias
dos Anjos? E, se até algum Anjo de súbito me levasse
para junto do seu coração: eu sucumbiria perante a sua
natureza mais potente. Pois o belo apenas é
o começo do terrível, que só a custo podemos suportar,
e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha
destruir-nos. Todo o Anjo é terrível.
Por isso me contenho e engulo o apelo
deste soluço obscuro. Ai de nós, mas quem nos poderia
valer? Nem Anjos, nem homens,
e os argutos animais sabem já
que nós no mundo interpretado não estamos
confiantes nem à vontade. Resta-nos talvez
uma árvore na encosta que possamos rever
diariamente; resta-nos a rua de ontem
e a fidelidade continuada de um hábito,
que a nós se afeiçoou e em nós permaneceu.
Oh, e a noite, a noite, quando o vento, cheio de espaço do universo
nos devora o rosto -, por quem não permaneceria ela, a desejada,
suavemente enganadora, que com tanto esforço se ergue em frente
do coração isolado? Será ela para os amantes menos dura?
Ah, um com o outro eles se ocultam da sua própria sorte, apenas.(...)