Da falta estrutural de professores: avisos, culpas e soluções
Pelo Público em 24 de Abril de 2022. Como acordado, o texto está publicado no blogue.
Título:Da falta estrutural de professores: avisos, culpas e soluções
Texto:
Sucedem-se as análises sobre a tragédia anunciada da falta de professores e discutem-se os remedeios. Mas debata-se o estrutural para que se aprenda com os erros. Aliás, se o essencial não mudar, e se a OCDE concluiu que "os professores portugueses são, na Europa, os mais desgastados, os que mais preenchem burocracia inútil e que são vítimas de uma organização de trabalho que os adoece", rapidamente os novos professores entrarão em exaustão e se arrependerão da escolha profissional.
E ainda como ponto prévio, é finalmente inquestionável que os jovens rejeitam o ensino como profissão. Mas agravou-se, e contrariou expectativas, porque a robotização do ensino supervisionada por super-humanos (em "de volta ao futuro da Educação - quatro cenários da OCDE") desacelerou com o imperativo, também evidenciado na pandemia, de recolocar o humano comum no centro das preocupações.
Num resumo sistémico, comece-se pela sonoridade dos avisos; e como a não audição persiste, convoque-se Milan Kundera: "a luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento". E faça-se o que tanto se exigia aos professores: prestação de contas.
O primeiro grito ecoou na histórica manifestação de 8 de Março de 2008 contra a asfixia democrática e a precarização dos professores, numa sociedade convencida pelo discurso anti-professor que incluía uma suposta instrumentalização. Mas em 16 de Abril de 2008, a plataforma de sindicatos assinou um entendimento fatal com o Governo para a testagem das políticas de divisão da carreira e de avaliação. Nessa suspensão do tempo, alterou-se a gestão das escolas - decreto-lei 75/2008 de 22 de Abril - e consolidou-se a tragédia. Quebrou-se a solidariedade em ambiente escolar e sobrepôs-se obsessivamente o individualismo e o utilitarismo ao cooperativo e ao gregário. Percebeu-se, desde logo, que a falta estrutural de professores seria uma questão de tempo.
Apesar de tudo, ainda se fez, em 17 de Junho de 2013, uma dificílima greve aos exames do secundário. Impediu-se que o maior despedimento colectivo da história - 20 mil professores - não duplicasse, mas não se travou o aumento de alunos por turma, a prova de acesso à profissão, a bolsa de contratação pelas escolas e mais agrupamentos. E recorde-se que, enquanto se noticiava um excesso de procura nos professores, precarizava-se a eito. A comunicação social e os governantes, por desconhecimento ou omissão, insistiam, a cada concurso, "nos professores a mais" sem a devida explicação: por exemplo, cada candidato, até do quadro, podia apresentar candidaturas a várias disciplinas; ou seja, 40 mil não colocações podiam ser apenas 10 mil pessoas.
Sabemos que as causas da falta de professores incluem as "novas políticas de gestão pública" iniciadas nos EUA e RU (anos 80 do século XX) e lançadas na Europa dez anos depois. Foram aplicadas entre nós na primeira década do milénio e mantêm-se.
Mas houve um contributo de quem não lecciona no ensino não superior; até de professores. Aliás, um técnico da Portugal Telecom, em 2006, indignou-se com o discurso "anti-professor e de alergia à escola" da generalidade dos professores dos serviços centrais do ME. Noutro exemplo que convém ter em conta, assistiu-se a uma tensão entre o discurso de um dirigente escolar que defendeu (no Público de 16 de Abril de 2022) a sobrecarga dos horários com mais turmas, e das turmas com mais alunos, como solução para a falta de professores e as veementes discordâncias sugerindo a atribuição de 1 ou 2 turmas aos dirigentes que não leccionam (serão 2 a 3 milhares).
Por outro lado, um estudo (2022) da Fundação Belmiro de Azevedo concluiu da "falta de experiência na área de cerca de um terço dos formadores dos professores do básico e secundário" o que explicará a infernal tecnocracia didáctica que terá contribuído para a perda de atractividade dessa formação e para o desvario na formação contínua.
Discuta-se então soluções de curto e médio prazos que oxigenem a atmosfera:
1. Eliminar as cotas e as vagas na avaliação e abrir um concurso extraordinário;
2. Considerar sempre como horários completos as colocações com 14 ou mais horas e o tempo de serviço para a segurança social dos professores contratados;
3. As habilitações, a profissionalização, o acesso aos quadros e a estrutura da carreira devem recuar para algo semelhante ao que acontecia há duas décadas;
4. Incluir os horários com 6 ou mais horas nos concursos por mobilidade interna, regressar à recuperação do tempo de serviço e eliminar a componente não lectiva a partir dos 55 anos de idade;
5. Concretizar, até 2030 e como avaliação da municipalização, 18 alunos por turma no pré-escolar e no primeiro ciclo, 20 nos 2º e 3º ciclos e 22 no secundário;
6. Recuperar, dos seguintes modos, a gestão democrática de proximidade a pensar também na descentralização:
a. um conselho geral por concelho, em vez de um por agrupamento ou escola, e uma agência municipal, em rede com as escolas, para os assuntos administrativos;
b. um conselho directivo (não apenas executivo e eleito como o que existiu até 2009) e um pedagógico em cada escola com 2º e 3º ciclos e ensino secundário;
c. um delegado escolar concelhio, sediado no município, eleito pelas escolas do pré-escolar e do 1º ciclo, um coordenador eleito em cada uma e um conselho pedagógico concelhio destes níveis de ensino.
Por fim, o primeiro-ministro declarou que o que conta é a redução de 13% para 5,6% no grupo dos 18 aos 24 anos inscrito no IEFP. É óbvio que é fundamental reduzir o abandono escolar, mas não é o único indicador que importa. Aliás, o ministro da Educação declarou (5 de Abril de 2022) que "as escolas devem ser laboratórios de democracia e oficinas de paz"; acrescente-se um para todos: alunos e profissionais da educação. É que, e como se comprova, a escola é, há década e meia, um laboratório de exclusão dos professores. É, portanto, crucial que se cuide dos que existem, também para que quem testa a possibilidade não se confronte com um clima de desconfiança, insanidade e arbitrariedade, e entre não só em regime de fuga como desaconselhe o exercício.