Breve história do falhanço do digital na educação
Breve história do falhanço do digital na educação
As tecnologias estão na educação desde o lápis de carvão. Em síntese, a pergunta a fazer é equivalente à das guitarras: não me digas a marca da tua guitarra, diz-me antes o que fazes com ela.
Na verdade, a educação, que vai muito para além da escola, é a arte do equilíbrio e da sensatez; mas não só. Exige humildade e a aplicação diária do mito de Sísifo.
As chamadas novas tecnologias estão na educação em duas redes: a de recursos administrativos, mais no universo escolar, e a de recursos educativos, na sociedade e no universo escolar.
A primeira é muito mais exigente na construção de software e muito menos lucrativa para as gigantes tecnológicas. Por isso, o caos no Ocidente na gestão de dados da educação. O investimento em software não tem retorno nos curto e médio prazos, apesar de ser crucial para a consolidação da democracia. Mas os tecnocratas desprezam esse objectivo. Aliás, foge-se a ser professor também por causa desse inferno. Não há, em resumo, algo que se assemelhe à rede multibanco, que inclui os homebanking, ou até, no nosso caso, ao portal das finanças.
A rede de recursos educativos é muito lucrativa para as gigantes tecnológicas; mais do que os drones, o comércio electrónico, o 5G ou a tele-medicina. Recorde-se as mais conhecidas componentes do negócio: um smartphone por aluno e por professor, redes sociais através de apps com software elementar e milhões de portáteis e de tabletes nas escolas para alimentar a indústria das escolas digitais e antecipar o ensino à distância. Os olhos dos neoliberais até brilham (como sempre, os nórdicos metem pedras na engrenagem).
Claro que o "reconhecimento de padrões" - mais divulgado como Inteligência Artificial (IA) - exige um outro debate. Estamos numa fase em que o pêndulo da condição humana oscila entre o pânico e a apreensão, porque as crianças e jovens das democracias ocidentais estão entregues à selva digital e com falta de professores. Mas sempre se alertou, há mais de uma década, para duas graves consequências do digital na rede de recursos educativos: conteúdos pornográficos e redes sociais. No segundo caso, foram usadas, e para além do ciberbullying, por organizações da extrema-direita com conteúdos xenófobos, racistas, misóginos e violentos e que fidelizaram eleitores logo que os jovens chegaram aos 18 anos.
E se qualquer das crises, selva digital e falta de professores, compromete o crescimento como pessoas livres respeitadas nos direitos fundamentais, a simultaneidade acentua preocupações com quatro dimensões bem identificadas: internet, recursos digitais para o ensino, "Reconhecimento de Padrões" - mais divulgado como Inteligência Artificial (IA) - e desinvestimento na Educação.
Por outro lado, já se percebeu que o que aí vem informatizará tudo o que for para informatizar, automatizará tudo o que for para automatizar e que as aplicações digitais usadas para controle e vigilância serão usadas para controle e vigilância. É o nível 4 da transição digital. O nível 5, que será longo e incerto, inclui a inteligência artificial e a robotização. Por exemplo, Luc Julia, um dos criadores da Siri da Apple, diz que não tem a certeza que queira falar com o seu frigorífico. No universo escolar, também não se terá a certeza que se queira falar com um robô como se fosse um professor que ensina e ajuda a formar a personalidade.
Como se percebe, os nórdicos estão a ser sensatos com o digital na educação. Até já regressaram fundamentadamente ao papel. Ou seja, voltam a passar ao lado de uma vaga neoliberal; a vigente; a segunda. Como referiram os prémios Nobel da economia em 2024, Acemoglu e Robinson, em "Porque falham as nações", os nórdicos passaram ao lado da primeira vaga neoliberal começada por Thatcher e Reagan e que Clinton, Blair, e Schröder continuaram.
No digital, preocupam-se com as crianças e jovens e têm há muito uma educação a tempo inteiro que mitiga a tragédia da escola a tempo inteiro. Nós estamos perdidos e completamente condicionados pelos interesses da indústria das gigantes tecnológicas que se alastrou às políticas educativas, às leis laborais, ao inverno demográfico, aos fluxos migratórios e, repita-se, à proliferação de movimentos racistas, misóginos, xenófobos e violentos.
Nota: este texto é também uma síntese de textos anteriores, aonde fui buscar algumas passagens.