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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

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Breve história do desencanto

27.10.24, Paulo Prudêncio

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Pelo Público em 11 de Maio de 2022. Como acordado, o texto está publicado no blogue.

Título: Breve história do desencanto

Texto:

Há vinte anos que os professores erguem a escolaridade mergulhados em ciclos de políticas educativas contraditórias e muitas vezes descoladas da realidade. É também uma história de desencanto. Merece ser contada para que se corrijam os erros e se recupere a alma do exercício.

Antes do mais, diga-se que somos uma sociedade à prova de grandes adversidades como concluiu a OCDE: "há um respeito mútuo e generalizado entre professores, alunos e encarregados de educação e os professores portugueses são os melhores a adaptar as aulas às necessidades dos alunos". 

Mas é inquestionável que há uma legião de professores que foi sujeita a um inimaginável processo de desprezo profissional. As políticas educativas, que não têm tido responsáveis nos insucessos, anteciparam, em quase duas décadas, o que Ivan Krastev considera uma nova História que encontra, repita-se e considere-se obviamente as devidas proporções, os nossos professores bem preparados: "a partir de agora (de 24 de Fevereiro de 2022), uma sociedade forte é uma sociedade de resiliência, onde o sofrimento que alguém é capaz de suportar importa mais do que o sofrimento que alguém é capaz de infligir."

Para se perceber a actualidade educativa num mundo que mudou e em que as novas armas das democracias são a divisão e a separação - o essencial "não passarão" é um exemplo elucidativo -, aprenda-se com os erros e estude-se o crescimento generalizado dos extremismos.

Diga-se, desde logo e acima de tudo, que os extremismos crescem pelo declínio de classes médias ressentidas associado ao aumento do fosso em relação aos mais ricos; também se aponta a desregulação dos mercados e a crise da representatividade.

Embora muito se tenha defendido, e erradamente, que o mercado resolveria os problemas da educação, centremos o debate no sistema representativo na Europa desde o século XIX.

Comecemos por precisar que foi o medo de uma democracia efectiva entregue ao poder das massas, e exercida quase directamente, que originou a representatividade. Desse temor, resultou um sistema que não é verdadeiramente democrático nem realmente representativo. Apareceu a classe dos políticos profissionais que quase eliminou a proximidade entre representantes e representados. Transformou-se, em regra, numa oligarquia de especialistas no poder que ninguém considera uma elite, nem quando se apoia em sábios, e que provoca oposições extremistas lideradas pelo ressentimento.

Por estranho que pareça, é também assim que se explica o crescimento do desencanto dos professores e a sua falta estrutural.

Pensemos no início do milénio. Quando se exigia das políticas educativas mais cooperação, mais inclusão e menos representatividade, aplicou-se o oposto. Antecipou-se as tais armas da democracia - divisão e separação na carreira e na avaliação - e eliminou-se a democracia directa através de um modelo de gestão exclusivamente representativo. Optou-se pelo taylorismo (poucos pensam e avaliam, muitos executam) do início do século XX em detrimento do moderno achatamento das organizações do século XXI.

E como a competência eleitoral passou para os conselhos gerais das escolas, rapidamente a falta de massa crítica, associada à ausência de mecanismos de audição da vontade dos representados, promoveu arbitrariedades, mais injustiças e mais desencanto. É que se a democracia é a vontade da maioria em respeito pelas minorias, nas escolas abriu-se a porta à vontade das minorias em desrespeito pelas maiorias. Um reduzido número de eleitores passou a escolher um ainda mais reduzido número de representantes e abriu espaço para a autocracia.

Como hoje se comprova, a eliminação da eleição directa também sustentou os outros dois instrumentos de divisão: degradação e precarização da carreira e avaliação que exclui.

Aliás, a própria face do processo, a ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues (MLR), recusou ser avaliada neste modelo uns anos depois (2016 e na instituição que agora dirige) por ser "um processo burocrático que nega a essência da avaliação" e que dilacera a atmosfera escolar com uma farsa meritocrática que usa uma escala métrica com aplicação de quotas e vagas.

Sublinhe-se que 2006 foi um marco das políticas de secessão entre nós. Afirmações divisionistas de MLR, "perdi os professores, mas ganhei os pais" ou "não podem ser todos generais", consubstanciadas no que foi dito, criaram um brutal clima de desencanto.

Ainda recentemente, no programa "É ou não é" da RTP1, em 19 de Abril de 2022, MLR, que postulava a prestação de contas dos professores, declarou que “não sei como chegámos aqui assim, não sei e não quero saber” e, dias depois, interrogou-se, no Público de 1 de Maio de 2022: "por que há um tabu da parte dos professores em relação à sua avaliação, quando defendem exames para os alunos?". Esta proclamação de imaturidade pedagógica, que coloca professores e encarregados de educação no mesmo nível de decisão de alunos e educandos, é mais um marco da promoção do desencanto e, a prazo, da crise da própria democracia (é ler Hannah Arendt).

O que mais entristece é registar que o substantivo professor já só é pronunciado na Assembleia da República pelos extremos, que não perdem uma oportunidade para acenar ao desencanto, na esperança de que se transforme em ressentimento.

Impressiona a não reversão do que até António Costa (2015, na SICN e em pré-campanha eleitoral) reconheceu: "os professores foram vítimas de uma guerra injusta, que prometo que não se repetirá, decretada num conselho de ministros de que fiz parte em 2006".

Não é justo acusar os professores em exercício de cruzarem os braços nesta queda da escola pública. Para além da crise do sindicalismo e da exaustão que retirará energia para manifestações históricas como as de 2008, responsabilize-se também os sucessivos governos do novo arco governativo, da "troika" à geringonça, que até inscreveram promessas vãs pré-eleitorais.

Assuma-se de vez, e para lá dos remedeios e epifanias em busca do milagre da multiplicação dos professores, que a escola pública é um imperativo democrático que justifica a humildade de um recomeço que até pode ter como referência o que se fazia há vinte anos.

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