A Pandemia Está Dentro Do Prazo
Antes do mais, é notória a impaciência pandémica em paralelo com o sentimento de indiferença que se iniciou antes da pandemia. Aliás, as democracias ocidentais debatem-se com problemas críticos anteriores à Covid-19: aumento da abstenção e crescimento das forças autoritárias pela sobreposição das políticas extractivas em relação às inclusivas. O ambiente que se seguiu à crise de 2007 (que foi originada por décadas de mercados desregulados e paraísos fiscais) terá um prolongamento se as democracias não aprenderem com uma pandemia que deixará um lastro económico imprevisível. Já se percebeu que o fundamental PRR é naturalmente parcelar e que é preciso agir nos pormenores que diferenciam.
E importa recordar que a pandemia, como a ciência não se cansou de avisar, está dentro do prazo. Portanto, é preocupante que "seja uma oportunidade perdida" nos sistemas de saúde, como diz, devidamente fundamentado, Nelson Pereira, director da Urgência do S. João. Do mesmo hospital e também no último Expresso, Artur Paiva, professor da FM da UP e chefe do SMI, afirma que "o vírus não vai desaparecer e que a próxima pandemia tenderá a surgir em menos de dez anos. É preciso vacinas e tratamentos eficazes para os casos graves."
E tudo indica que a educação também perderá uma oportunidade. As impensadas teses da escola segura foram uma grave perda de tempo e geraram inércia. Sabia-se que as escolas não cumpriam os 3 c's (aproximação física, espaços fechados e aglomeração de pessoas) e que eram uma plataforma da disseminação do vírus na sociedade com a agravante das crianças e jovens assintomáticas e com falsos negativos nos testes. Como já se escreveu várias vezes, há objectivos estruturantes e civilizados para melhorar os 3 c's dentro e fora da escola que devem ser perseguidos progressivamente e concretizados no curto prazo onde for possível (desde logo, uma área metropolitana tem exigências diferentes de um concelho do interior ou de dimensão semelhante): horários desfasados, turmas com um número decente de alunos ou por turnos, descentralização de intervalos e pequenas interrupções a cada seis semanas de aulas.
E se a eliminação desta discussão nos debates orçamentais e eleitorais resulta também do silêncio comprometido das oposições democráticas (nem sequer se debate a imprudente e preocupante dependência tecnológica nas escolas e o seu ambiente democrático), era bom que a "rede" de sociólogos que arquitectou a engenharia financeira que nos levou à falta estrutural de professores e às turmas numerosas estivesse atenta ao sociólogo alemão Ulrich Beck (que já em 2016 se punha no lugar do "eleitor desorientado e perdido": “Já não entendo o mundo") e ao que escreve a jornalista e historiadora Anne Applebaum na "The Atlantic": “as autocracias são geridas por sofisticadas redes compostas por estruturas financeiras cleptocráticas, serviços de segurança e propagandistas profissionais. Os membros destas redes estão ligados em muitos países. Washington fala da influência chinesa, mas o que realmente liga os membros deste clube é o desejo de preservar e aumentar o poder pessoal e as suas riquezas”.
Se a inércia continuar a fazer escola associada a um marketing partidário desfasado do real, as democracias correrão sérios riscos e não se poderá dizer que não houve avisos.