A escola e a dança dos homens (3)
"Se houvesse um povo de deuses, ele governar-se-ia democraticamente. Um governo tão perfeito não convém a homens" (1). Esta conclusão explica o Ministério da Educação das últimas duas décadas, em que houve homens acima dos deuses e da democracia.
Se a entropia social evidenciada em 2008 expôs a "lei de bronze da oligarquia" (ideia de Robert Michels) que condicionou os governos, na escola portuguesa a dependência ficou a cargo de uma dança de homens que descolou o discurso oficial de qualquer realidade. Quando se denuncia a tormenta burocrática de um centralismo distante das salas de aula e com forte tendência para sofisticar à exaustão a administração de inutilidades que excluem o conhecimento das disciplinas, não se pensa em funcionários. A sofisticação é obra de grupos de missão bem avençados; sem tabela de remuneração, sem escrutínio e sem avaliação. Está para além de ser ministro ou secretário de estado, embora estes incluam a função de correia de transmissão. É um bailado que infernizou qualquer ideia de modernidade e sustentou quatro pilares da proletarização dos professores: destruição da carreira, avaliação Kakfiana, gestão autocrática e monstro da burocracia.
O Grupo de Missão, que estimula o conceito de Grupo Fechado, resulta desse triunfo que fez escola no sistema escolar. Corre patamares bloqueando canais participativos e mecanismos mobilizadores. Impacienta-se com o contraditório. Pugna pela pirâmide da organização militar. Omite que um professor do 1º escalão pode leccionar a mesma turma que um do 10º e que a tarefa cimeira da escola é a sala de aula.
Outro sinal negativo para a escola pública, é a publicidade dos Grupos de Missão. Visitam escolas e recomendam o modo organizacional, como exemplo de cooperação, sem sequer vislumbrarem a contradição. Invariavelmente, argumentam: mas os resultados escolares na escola pública não melhoraram nos últimos 45 anos? Claro que melhoraram. O essencial é sempre a evolução da sociedade, como demonstra a história mundial dos sistemas escolares, e basta comparar o Portugal de 60 e 70 do século passado com o actual. E se ainda temos 2 milhões de pobres, é natural que 50 mil crianças reprovem logo nos primeiros ciclos. É uma realidade que está a montante da escola, por muito que esta atenue desigualdades.
Os Grupos de Missão estão completamente ultrapassados numa sociedade em rede, porque estão estritamente ligados a uma linha centralista e hierarquizada. Só persistem como um fatalismo histórico porque, e como alguém também disse, "as nossas elites são historicamente viciadas em viver à custa do trabalho dos outros; foi assim durante três séculos com a escravatura, também com o ouro e as especiarias e até com o colonialismo."
Escolhi uma imagem de "danças de deuses" na esperança de que um dia se cumpra o desejo de Rousseau e a lembrar-me como é cada vez mais difícil regressar a George Steiner (2): "Quem não estiver doente de esperança não tem a mais pequena hipótese de ser professor".
(1) Jean-Jacques Rousseau, Contrat Social ou Príncipes ãu Droit Politique, Paris, Garnier, s/à, p 281.
(2), George Steiner (2005:148) "A Lição dos Mestres", Gradiva, Lisboa.
Encontrei a imagem do post na internet sem referência ao autor.