parecer solicitado a Garcia Pereira
Por iniciativa do Paulo Guinote foi solicitado um parecer ao advogado Garcia Pereira a propósito dos cortes salariais que se vão verificar. Pode ler as conclusões. A comunicação social faz um primeiro eco aqui.
CONCLUSÕES:
1ª Uma norma constante do Orçamento de Estado que determine o abaixamento unilateral e generalizado das remunerações dos trabalhadores da Administração Pública e a manutenção desse abaixamento por um período plurianual, porque destituída de relação directa e imediata com matéria financeira e orçamental (como é o caso ainda mais nítido das retribuições dos trabalhadores das empresas públicas sob forma societária) e porque ultrapassadora dos limites do ano económico, padece de inconstitucionalidade material, por violação dos artºs 105º, nºs 1 e 3 e 106º, nº 1 da Constituição.
2ª Dada a natureza eminentemente laboral duma norma relativa a remunerações da generalidade dos trabalhadores, o desrespeito pelo direito, consagrado no artº 56º, nº 2, da mesma Constituição, das Comissões de Trabalhadores e associações sindicais participarem na elaboração de legislação do trabalho, consistente na não observância, no respectivo processo legislativo, dos procedimentos impostos por essa mesma norma, e regulados ou pela Lei nº 23/98, de 26/5 ou pelo artº 470º e seguintes do Código do Trabalho, implicará sempre a inelutável inconstitucionalidade formal da mesma norma, por ofensa ao referenciado artº 56, nº 2 do C.R.P..
3ª Uma tal norma consubstancia também uma verdadeira restrição ou suspensão dum direito constitucional (o direito ao salário, consagrado no artº 59º, nº 1 al. a) do CRP) fora dum caso de estado de sítio ou de emergência declarados na forma prevista na Constituição, o que lhe é frontalmente proibido pelos artºs 18º, nº 2 e 19º, nº 1 da Lei Fundamental, sendo por consequência materialmente inconstitucional por violação de tais preceitos.
4ª Por outro lado, a mesma referida norma, afectando situações jurídicas anteriormente constituídas e comprometendo as legitimas expectativas à integralidade e não redutibilidade remuneratória com base nas quais os trabalhadores visados oportunamente fizeram as suas opções e contraíram as suas obrigações, violenta de forma grave, desproporcionada e, logo, intolerável o principio da confiança ínsito na ideia de Estado de direito consagrada no artº 2º da CRP, estando consequentemente tal normativo ferido de nova inconstitucionalidade material por desrespeito relativamente a tal preceito e principio constitucional.
5ª Ainda a mesma norma, porque também consubstanciadora da ablação de um direito subjectivo de carácter patrimonial juridicamente protegido, ablação essa determinada sem qualquer indemnização e por uma decisão puramente politica, consubstancia não apenas um verdadeiro confisco não permitido pela Constituição, maxime no seu artº 62º,
6ª Como igualmente a completa desconsideração dos deveres e obrigações pré-constituidos, vg de natureza contratual, que, por força do artº 105º, nº 2 do CRP, as normas do Orçamento têm imperativamente de ter em conta,
7ª Padecendo, por conseguinte, a referenciada norma de nova e dupla inconstitucionalidade material, decorrente da violação dos supra-referenciados preceitos e princípios dos artºs 62º e 105º, nº 2 da lei Fundamental.
8ª Finalmente, uma norma que determine a redução unilateral das remunerações apenas dos trabalhadores da Administração Pública, mantendo-se a intangibilidade das retribuições do regime laboral privado, sem que exista qualquer fundamento juridicamente válido para impor aos primeiros menores direitos e garantias do que os segundos, consubstancia uma diferenciação de tratamento sem fundamento material razoável, ou seja, uma discriminação, estando inquinada de outra inconstitucionalidade material ainda, agora por violação do artº 13º do CRP.
9ª Tudo o que antecede devidamente considerado e ponderado, somos de parecer que forçoso é concluir que os trabalhadores da Administração Pública, à luz da legislação (designadamente constitucional) em vigor, não podem ver reduzidas por acto unilateral da mesma Administração ou mesmo por acto legislativo, como por exemplo a Lei do Orçamento do Estado (que seria assim multiplamente inconstitucional) as suas remunerações.
Lisboa, 2 de Novembro de 2011
(António Garcia Pereira