Dizia-me um amigo entendido no assunto: à medida que o programa avança, fico ainda mais surpreso com a dimensão da monstruosidade. A formação contínua de professores do não superior é tão degradante que até dá dó.
Vamos ao princípio. Talvez bastasse se escrevesse que falamos dum negócio de milhões e ponto final. Não escrevia mais e quase que se percebia, tal a vilanagem que se instalou. Mas acrescento: os serviços centrais do ME tratam os professores do não superior com desrespeito. É gente que foge das salas de aula e desconsidera quem se "resigna" a viver por lá. Para não existirem dúvidas, aconselho-o a ver o vídeo (cortesia do Miguel Pinto) imperdível que adicionei ao post, entre os minutos 14 a 21.
O Programa abjecto decorre no âmbito do PTE (plano tecnológico da Educação) com organização da DGIDC (direcção-geral da inovação e desenvolvimento curricular) e da DGRHE (direcção-geral dos recursos humanos da Educação).
Trata-se de certificar com competências TIC (tecnologias da informação e comunicação) de nível 2, cerca de 30% dos professores. Não há quem responda ao motivo desta percentagem. Há quem diga que se quer criar uma "elite" de docentes dotados de literacia digital, pasme-se, para formar os futuros relatores (antigos titulares).
Esta certificação de competências só é reconhecida no nosso país.
Está a decorrer a certificação nível 1 (processo tipo novas oportunidades digitais), bastando aos professores terem realizado 50 horas de formação TIC, entre 2000 e 2010, para obterem essa certificação.
A certificação de nível 2 decorre da frequência de 4 módulos, de 15 horas cada, sendo 2 obrigatórios e 2 de opção (em quadros interactivos (também designados por hiperactivos ou inactivos), portfolio digital, moodle e quejandos). A certificação não é reconhecida pelos países da UE e apenas pelo governo português.
Repare-se nos detalhes da formação que está a decorrer:
Com a colaboração da DGIDC, da DGRHE e dos centros de competências dos CFAE, encontra-se a decorrer a formação dos módulos obrigatórios para a certificação de competências digitais. A formação é financiada pelo POPH e pelo Orçamento do Estado a 2€ por hora por cada formando.
O número de turmas a constituir por cada CFAE (centro de formação de associação de escolas) foi imposto pela DGRHE em função do número de docentes associados de modo a contemplar os 30%. Os docentes são indicados pelas direcções das escolas. Muitas das turmas são partilhadas pelos diversos CFAE.
Na prática acontece o seguinte: há formandos de Abrantes a fazerem formação em Santarém e há pessoas de Mafra deslocadas para as Caldas da Rainha. Este pandemónio desmultiplica-se ao nível nacional. Em muitos casos durante a semana e no final do dia. A candidatura financeira não inscreveu verbas suficientes para pagar as deslocações dos formandos, mas contemplou as deslocações dos formadores (indicados pelo programa) que recebem 43.50€ por hora de formação.
A perplexidade dos entendidos reúne ainda mais interrogações.
Para que servem estas 15 horas de formação? Para aprender a usar quadros interactivos? Para que serve esta certificação que não é reconhecida em mais nenhum país europeu? Estamos perante um assunto que apenas garante mais uma oportunidade de negócio? Por que é que a formação é feita sobre uma marca específica, interessada e bem colocada no fornecimento de quadros interactivos às escolas?
Veja de seguida o vídeo referido. Repito: entre os minutos 14 e 21.
O Miguel Pinto deu-se ao trabalho de fazer a seguinte adenda ao vídeo:
Adenda:
Minuto 14 – “O Ministério da Educação tem um modelo de gestão profundamente ultrapassado e tacanho. É um modelo de comando e controlo. Para o ME, os professores são uma cambada de preguiçosos, sem iniciativa. E isso é um erro completo.(…) Nós temos professores espantosos, com uma paixão pela sua missão comovente.”
Minuto 15 – “Há da parte do ministério uma inadequação completa quanto à mobilização dos professores para um projecto de mudança. Enquanto o ministério não conseguir apaixonar de novo os professores para um projecto de mudança pode meter quantos magalhães ou quadros interactivos quiser que não vai mudar o sistema [reforma pedagógica]. Os eventuais resultados positivos não se deverão ao ministério mas apesar dele.”
Minuto 17 – “O Plano Tecnológico da Educação tem uma visão tecnocrática primária, muito semelhante a alguns projectos do início dos anos 80.”
Minuto 36 – “A educação tem que ser profundamente remodelada. Há que recuperar, reconquistar e vai ser difícil reconquistar os professores, recuperar a paixão que os professores tinham pela sua missão. Eu tenho feito o exercício desde que fizemos este relatório, tenho feito o exercício de tentar ver qual é o sonho na cabeça dos professores, em várias partes do país. O sonho que neste momento está na cabeça dos professores é reformarem-se antecipadamente. É absolutamente deprimente, quando havia tantos sonhos, pelo menos em grupos muito representativos das escolas, havia paixões, havia pessoas que de manhã iam para a escola apaixonados por aquilo que faziam, apesar de saberem que aquilo era desgastante. Agora, o sonho dos professores é aposentarem-se antes do tempo”.
publicado às 21:05
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20 comentários
Fausto Viegas (Norte)
11.10.10
UMA VERGONHA, CARAGO. O COORDENADOR DO MEU DEPARTAMENTO ANDA REVOLTADO NUMA ACÇÃO DESSAS. DIZ QUE EMBRUTECE.
Hoje começou uma acção sobre quadros interactivos, das 19 às 23h. Saí de casa, depois de uma série de aulas, depois de ir levar e buscar a minha filhota à escola, ao inglês..., depois de um cão ter entrado no meu quintal e ter atacado o meu cão, que estava preso sem se poder defender, e o jardineiro. Saí, finalmente, para ir para a dita acção (com remorsos, pois deveria ter ido com o cão para o veterinário), apanhei uma bicha tal, um trânsito descomunal a partir do Staples, não consegui arranjar lugar para estacionar perto da escola, nem mais ou menos perto, andei mais de meia hora às voltas, à procura de um buraquinho para enfiar o carro. Nada! Passei-me! E dei comigo a pensar: mas o que é isto, deixo a minha filha em casa sozinha até às onze horas da noite sem jantar, o cão mais morto do que vivo na garagem! Não. Virei o carro e voltei para casa, peguei no cão e na minha filha e fomos para São Martinho à procura de uma veterinária que me atendesse àquela hora... Cheguei a casa pelas 10.30h. Que raio de vida é esta, que coisa é esta de termos de deixar a nossa família durante a noite para ir para uma acção de formação aprender a fazer não sei o quê. Desculpa, Paulo, estou em baixo...
Depois sou eu que não percebo nada de contabilidade. O que vale, infelizmente para quem trabalhou e ganhou o seu salário honestamente, já há muito pouco para ROUBAR aos cofres do estado. É com tristeza que assisto a esta humilhação! Que país de oportunistas!!!
Cadeia com esta malandragem. Recordo-me do vídeo do malhão de uns professores de Viseu numa acção de formação de TIC com umas formadoras de uma empresa americana. Cambada de desavergonhados. Acções e créditos para quê? E as escolas indicam pessoas para isto?
Eu também fiz uma dessas formações, mas o mais caricato é que para os mesmo conteúdos estavam uns formandos para obter a certificação nível 1 e outros para a certificação nível 2. Mas então o grau de competências de uns e outros não são (na teoria) diferentes? Nem os formadores sabiam responder. O que me espanta é o à vontade de certos formadores que "contribuem" para esta farsa. Outro pormenor é que todos(tb de vários CF), recebemos indicações que íamos ter ma formação em quadros interactivos, mas não, foi outra "coisa".
Mas até poderia valer a pena, mas infelizmente, 15h para envergonhar qualquer um. Uma perda de tempo!
Vejo estes comentários, o post original e abano a cabeça, desalentado. Fui um dos que saíu do Ensino no início de 2008, um ano antes do tempo e posso confirmar o que aqui se diz: TODOS os meus ex-colegas me invejam, queriam ter a minha idade e anseiam pela fuga ao inferno burocrático em que as escolas se transformaram.
Depois vejo a Ministra com aquela intervenção idiota no início do ano e nem quero acreditar no que estou a ver.
Este Primeiro Ministro, formado nas "novas oportunidades", embrutece tudo o que está à volta. Desde o Ministro das Finanças que era um homem competente e se transformou num imbecil, passando pela do Ambiente ( o Ministério onde o nosso Primeiro se afirmou...) que ninguém vê e que, quando se vê, parece uma hotentote a falar: até à Isabel Alçada que eu conheci como escritora e como expoente máximo da Gestão Democrática das Escolas, nos idos de 80 e agora mais parece uma palerminha da APECI, - com o devido respeito pelos def's que lá andam...
Votei Sócrates, confesso. Hoje tenho vergonha e votava vinte vezes para o mandarem fazer cursos de formação aos pinguins da Antártida...
E não gravam vídeos a cantar o malhão para trabalho de grupo? As direcções das escolas também colaboram. Têm de inscrever pessoas para que existam formandos. Uma pouca VERGONHA!!!!