em forma de u e até outro dia
Talvez tenha sido premonitório, talvez. São dezena e meia de alunos e só um vive com a mãe e com o pai. Nos últimos anos é muito assim: vê-se que os miúdos sofrem com isso, mas não é condição que se manifeste definitivamente trágica.
Chegam do intervalo quase sempre em polvorosa. A média de idades ronda os doze anos, a perturbação emocional de uns quantos é acentuada e a conflitualidade é latente.
No dia do U a informação era decisiva: o intervalo foi ainda mais caótico do que o esperado; merecia um início de aula raro e com resguardo cívico. Os bancos suecos formam a habitual linha recta, mas nessa aula a escolha caiu no tal U.
E de repente, nem houve espaço para o caso em apreço: alguém se justificou, com as lágrimas a jorrarem face abaixo, com a descrição de uma cena caseira violenta na noite anterior. O testemunho cativou uma surpreendente e imparável onda de partilhas. A atmosfera era de uma brutal tranquilidade: não se atropelava a outra comunicação, o ruído era inexistente, a comoção sossegava as almas e os relatos absorviam uma adulta vivência emocional. Que fazer? Os quarenta e cinco minutos protocolados para a aula voaram e a catarse parecia envolta numa penumbra iniciática. Tínhamos meia-hora de intervalo pela frente e aqueles pequenos corpos não podiam regressar à selva sem qualquer analgésico. Mas que grande embaraço.
O U ficou de mãos dadas em junção com o único que usou a cadeira. Foi um recurso inopinado. Uma corrente em busca de uma qualquer transcendência. Para tudo há sempre uma primeira vez, diz-se. Uma força colectiva ajudou a que se enchesse de energia o discurso de circunstância. As lágrimas esconderam-se como se dissessem: até outro dia.