babel II
(Babel II porque certa vez escrevi um texto que intitulei de Babel - foi algures no ano passado -. Mas a coisa está a ficar de tal maneira que resolvi rescrever e editar).
É já uma coisa descomunal esta teimosia (ia escrever patologia) governamental que considera a possibilidade de seguir em frente com esta avaliação doentia. O problema arrasta-se. Rapidamente se conclui que as três ou quatro ideias de tipo salvífico em nada resultaram e que só conseguiram aumentar o ruído ensurdecedor em que está mergulhada a escola pública portuguesa.
O tempo mediático é o que é e os assuntos na actualidade tendem a frustar quer os críticos quer os apoiantes das políticas: os estruturais e os conjunturais.
O conhecimento desta avaliação clarifica dois aspectos: o muro de invenções técnico-pedagógicas em que se transformou o ministério da Educação carece de uma "implosão" e o modelo de avaliação do desempenho é inexequível e contém uma ideia de escola e do exercício do professor que está na génese deste conjunto de políticas devastador para a escola pública.
Já escrevi muito sobre estes assuntos, mas reforço duas questões:
- as invenções técnico-pedagógicas que preenchem a formação de professores em Portugal contaminam o próprio ministério da Educação e infectam as políticas de gestão e organização do sistema escolar. Quem conhece a semântica que envolve a organização escolar, percebe que a sua imperativa evolução organizacional nunca se fará do labirinto em que estão enredados os chamados "cientistas da educação";
- a questão das quatro dimensões que integram o "perfil funcional" do professor segundo o modelo de avaliação. Embora se saliente amiúde a primazia do ensino e da observação das aulas, a avaliação nas outras três dimensões (ética, formação ao longo da vida e relação com a escola e com a comunidade) provoca o caos com um volume interminável de má burocracia.
A discussão à volta do perfil funcional e das quatro dimensões é nuclear e ajuda a questionar as nossas desigualdades económicas e sociais que provocam taxas de abandono escolar que nos envergonham.
Sabe-se que a escola, actuando de modo isolado, não resolverá esse problema. É uma questão mais vasta e da responsabilidade da comunidade educativa. O que se tem feito é propalar a necessidade de desenvolver o espírito de "missão" na profissionalidade dos docentes, como se estes não estivessem "cansados" de o identificar, avaliando-os com o tal perfil e nos anos todos. E esta decisão explica muitas outras (tipo de ocupação da componente não lectiva dos professores, ideia de que trabalham pouco e só dão aulas) que mais não fazem do que desresponsabilizar a restante comunidade no combate ao referido abandono.
O abandono escolar é tão grave que é espantoso como ninguém presta contas: nem as autarquias com os seus serviços sociais, nem o poder central.
Se juntarmos ao que foi escrito a ideia de reduzir a todo o custo as despesas com os salários do professores encontramos uma explicação para o estado onde se chegou.
Se continuarmos por este caminho, de trazer tudo para dentro da escola atribuindo-lhe esta impossibilidade de funções e associando-lhe a degradação do estatuto social dos professores, acontecerá o seguinte: as famílias endinheiradas colocarão os seu filhos no ensino privado e as escolas do estado serão um "armazém" desqualificado e desqualificante e a tempo inteiro. É o fim do ensino na escola pública e uma preocupação civilizacional muito séria.
(E podia acrescentar os contornos do modelo de gestão escolar em curso).