luta de classes e corrupção
Leia que vale mesmo a pena.
09.05.2009, Sérgio Aníbal
Stiglitz descreveu a sequência de acontecimentos que nos trouxeram à actual situação. Começou por lembrar a forma como as instituições financeiras conseguiram convencer os políticos a desregular os mercados. Foi a "corrupção ao estilo americano", feita através de "contribuições milionárias para campanhas, de forma menos directa do que nos países em desenvolvimento e envolvendo montantes muito mais elevados". "Os bancos falharam muitos investimentos nos últimos anos, mas foram muito bons no investimento político. Apostaram nos dois partidos, à espera de retornos e conseguiram-nos", disse o economista norte-americano. Curiosamente, esta semana foram tornados públicos os apoios dados ao longo dos últimos anos pelas empresas responsáveis pelo subprime a vários candidatos a cargos políticos nos EUA.
Depois, acusou o sector financeiro norte-americano de, apoiado nas falhas de regulação, ter sido apenas inovador na forma como "retirou os lucros a outros sectores" e apostou numa "luta de classe contra os mais pobres". "Eles viam que havia dinheiro na base da pirâmide e decidiram tirá-lo de lá e trazê-lo para o topo, visando especialmente os mais pobres entre os pobres", disse, lembrando o funcionamento do mercado de crédito subprime.
Um comportamento deste tipo é, defende o economista, o resultado da combinação de "incentivos errados" com a "divulgação de informação errada", falando igualmente de "depravação moral" nas instituições financeiras norte-americanas.
E quanto à ideia de que os mercados devem ser deixados livres de regulação para serem mais eficientes, considerou-a como acabada. "A doutrina de direita sobre a forma como funciona a economia de mercado falhou completamente. Aliás, para mim, como economista, isso sempre foi apenas uma ideologia, não um produto da ciência económica", disse.
Crise económica para durar
Agora que a crise está instalada, Joseph Stiglitz continua pessimista e muito crítico de algumas das opções políticas que têm vindo a ser tomadas.
O economista norte-americano minimizou a importância da recente melhoria de alguns indicadores económicos e das declarações de confiança dos responsáveis políticos, afirmando que "estamos apenas a passar de uma queda abrupta para uma recessão profunda". E traçou dois cenários para os próximos tempos, nenhum deles positivo. Um, que classificou de "optimista", é a entrada "numa doença ao estilo japonês", com bancos zombies e crescimento económico estagnado durante um período longo do tempo. A outra, "mais pessimista", é a eclosão de novas crises (relacionadas, por exemplo, com segmentos do mercado de crédito em dificuldades), que levem a economia a "regressar a uma queda livre".
O prémio Nobel diz que a melhor estratégia contra a crise passa por realizar mais investimento público, reforçar os apoios ao mercado hipotecário e deixar cair alguns bancos, para evitar que os contribuintes estejam a servir para premiar os excessos cometidos. Por isso, criticou a Administração Obama de estar a investir lentamente e em montantes insuficientes, ao mesmo tempo que cria bancos zombies, ainda maiores do que os que já existiam, agravando o problema de serem "demasiado grandes para falirem".
Stiglitz não gostou também de ver o Fundo Monetário Internacional, que sempre criticou pelas estratégias que impunha aos países em dificuldades, a ter os seus poderes reforçados. "Estamos a pôr a resolver a crise as mesmas pessoas que a ajudaram a criar, passando muitas das características do sector privado para o sector público", afirmou. Mesmo com o sistema financeiro que critica quase de joelhos, Joseph Stiglitz continua pessimista. Fonte: jornal Público.
E que efeitos teve tudo isto em Portugal? Muito advogam, e há muito tempo, que a situação é semelhante até em relação às nefastas políticas educativas dos últimos anos.
É certo que muitos dos que afirmam esse tipo de conclusões não têm a voz de Joseph Stiglitz. Li alguns estudos que apontaram no sentido de se ter realizado a maior transferência de recursos financeiros da classe média para a classe alta; e intitularam essa acção como um assalto.
O que assistimos por cá, e no que à Educação diz respeito, foi a uma tentativa de precarização da profissão docente através de várias políticas que se tornaram também exclusivas das responsabilidades individuais e um grande retrocesso na afirmação do poder democrático das escolas:
- divisão da carreira de professores em duas categorias com o único objectivo de impedir as progressões;
- burocratização infernal da actividade docente;
- capitulação da tímida autonomia das escolas transformando-as em repartições do estado numa lógica hierárquica de obediência rígida ao iluminado poder central (o único que pensa, que é moralmente irrepreensível e que sabe o que faz);
- contratação de docentes a recibo verde e com baixas remunerações;
- afunilamento da progressão nas carreiras (mais propriamente, e neste caso, cancelamento por tempo indeterminado das progressões);
- precarização dos vínculos.
E tudo pela mão do partido político que suporta o actual governo. Se elas existirem, e quero crer que sim, que raio, ai como devem estar algumas consciências. É o que dá cavalgar apressadamente as modernices.
(reedição - 1ª edição em 10 de maio de 2009)