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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Mude-se a escola para que regressem os professores

03.01.22, Paulo Prudêncio

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Pelo Público em Janeiro de 2022. Como acordado, o texto está publicado no blogue.

Título:

Mude-se a escola para que regressem os professores

Lide (lead): 

Texto

"Os professores portugueses são vítimas de uma organização de trabalho que os adoece. São, na Europa, os mais desgastados e os que mais preenchem burocracia inútil. Só os alunos lhes dão ânimo. São os melhores a adaptar as aulas às necessidades dos alunos. A pequena indisciplina coloca Portugal no primeiro lugar do tempo perdido para começar uma aula."

O que acabou de ler são conclusões da OCDE, ou de organizações com estudos semelhantes, com menos de década e meia. Mas não há um documento dos serviços centrais do Ministério da Educação que conclua no mesmo sentido, nem sequer o mundo político se interessa pelo assunto. Há um manto de silêncio que ignorou o caminho que resultou na grave falta estrutural de professores e no tríptico de quem está em exercício: desgaste, mágoa e revolta contida.

Quando se lê um encarregado de educação a justificar a mudança do filho para uma escola particular e cooperativa porque na pública faltam professores e há desorganização, importa recordar que a precarização dos professores também começou quando os governantes aproximaram as públicas do modelo das particulares e cooperativas geridas por empresas com influência nas esferas governativas. Essa decisão asseguraria, dizia-se, a redução do orçamento da educação a par de oportunidades de negócio. Foi o que se sabe.

Por outro lado, relembre-se que a formação de professores mudou na década de noventa do século XX. Generalizou-se o "curso de professor", já profissionalizado, a exemplo do que acontecia no pré-escolar, no 1º ciclo e em algumas disciplinas. Até aí, a maioria dos professores eram licenciados que estagiavam nas escolas. Só que os cursos de professores caíram numa infernal tecnocracia didáctica que os afastou das salas de aula. Perderam atractividade, contribuíram para o estado em que estamos e não são solução nos curto e médio prazos.

Portanto, se temos a geração com mais licenciados da história, mas que não inclui a ideia de ser professor, temos novamente potenciais candidatos que necessitam de formação pedagógica e profissional para acederem aos quadros do ensino.

Se isso acontecer, faltará o mais difícil: recuperar a escola como espaço saudável e apelativo, mudando quanto antes o que o excesso de ideologia sobrepôs ao equilíbrio, à sensatez, à modernidade e à leveza. Desde logo, cuidar dos professores que existem percebendo que não se foge de ser professor apenas por causa da remuneração. Claro que esse factor é determinante e sabe-se o que há a fazer na carreira e nos índices remuneratórios. Mas é insuficiente porque também se foge da insanidade e do atavismo. Até quem testa a possibilidade percebe de imediato os instrumentos de avaliação e gestão que favorecem a desconfiança, a exaustão, a parcialidade e a arbitrariedade.

E antes do mais, sublinhe-se que a organização da escola pública se emaranhou numa Babel. Como ao poder desconcentrado do Ministério da Educação em agrupamentos ou escolas se associou a descentralização com a municipalização, é nuclear uma clarificação com o reconhecimento de que os agrupamentos (não há na Europa modelo igual) são parte do problema. O aumento da escala ampliou os pontos mais críticos e já nem se pode argumentar com a redução da despesa para o exercício de cargos.

É crucial procurar soluções sustentáveis e um novo clima. Construa-se um organograma que busque a gestão democrática de proximidade à prova das nuances da municipalização ou regionalização. Discuta-se o seguinte sumário:

1. em vez de um conselho geral por agrupamento ou escola, crie-se apenas um por concelho (ou designe-se assembleia geral; ou recupere-se o conselho municipal de educação) e uma agência municipal, em rede com as escolas, para os assuntos administrativos da educação;

2. crie-se um conselho directivo (e não apenas executivo) - eleito de modo semelhante ao que existiu até 2009 - e um conselho pedagógico em cada escola com 2º e 3º ciclos e ensino secundário;

3. crie-se um delegado escolar concelhio - com sede no município e eleito pelas escolas do pré-escolar e do 1º ciclo -, um coordenador eleito em cada uma e um conselho pedagógico concelhio destes níveis de ensino.

Acima de tudo, trata-se de recuperar a confiança nos professores testemunhando-lhes um ambiente democrático e moderno em que a parcialidade seja novamente um substantivo intolerável.

Por outro lado, os tempos que aí vêm associam ao pós-pandemia a necessidade de antecipar os efeitos na democracia do "Século da Solidão" e da transição digital. Considera-se crucial reencontrar o caminho do espaço público e da nova organização do trabalho (e, já agora, de uma Europa livre de um autoritarismo que beneficia com o isolamento das pessoas), que é precisamente o percurso inverso percorrido pelas nossas escolas influenciadas pelo importado "taylorismo" (poucos pensam, muitos executam).

Recupere-se "A ideia de Europa" de George Steiner (2017) e procure-se o essencial. O autor escolhe o mapa dos cafés e das cafetarias como uma marca da Europa que a diferencia exactamente dos EUA e do Reino Unido. É uma distinção que explica a necessidade de libertar a escola sem qualquer complexo de superioridade ou inferioridade.

Aliás, e como escreve Steiner na página 44, "outras culturas e comunidades fizeram descobertas científicas e intelectuais. Mas só na Grécia Antiga se desenvolveu a busca da teoria, do pensamento especulativo desinteressado sob a luz de possibilidades infinitas. A dignidade do Homo sapiens reside exactamente nisso: compreender no que consiste a sabedoria, procurar o conhecimento desinteressado, criar beleza." É precisamente essa a tendência da perda determinante nas nossas escolas. A obsessão com o individualismo e com o utilitarismo eliminou o contraditório e o espaço livre das ideias assente nos três vértices da intemporal e fundadora geometria da escola: professores, alunos e conhecimentos. Que se recomece.

Repetindo Uma Nota De Economia

01.01.22, Paulo Prudêncio

Nota: "(...)O fármaco da dura austeridade, como observaram vários economistas, em vez de curar o doente, enfraquece-o de modo ainda mais implacável. Sem se interrogarem sobre os motivos que levaram as empresas e os Estados a endividarem-se - estranhamente, o rigor não faz mossa à corrupção que prolifera e aos chorudos ordenados de ex-políticos, administradores, banqueiros e conselheiros! -, os múltiplos orquestrares desta deriva recessiva não estão nada perturbados com o facto de serem sobretudo a classe média e os mais cadenciados a pagar(...). Não significa que se fuja estupidamente à responsabilidade da situação. Mas também não é possível ignorar a destruição sistemática de qualquer forma de compreensão e de solidariedade, pois os bancos e os credores exigem sem piedade, como Shylosk em O Mercador de Veneza, o arratável de carne viva a quem não consegue regularizar a dívida.(...)".

 

Nuccio Ordine (2013:07),

"A utilidade do inútil",

Faktoria de Livros.

Pág. 4/4