Entregar a escola a este modelo de gestão autárquica?
Entregar a escola a este modelo de gestão autárquica? Pelo Público em 15 de Setembro de 2021. Como acordado, o texto está publicado no blogue.
Título:
Entregar a escola a este modelo de gestão autárquica?
Lide (lead):
É importante sublinhar que a gestão das escolas pelos municípios implicará avultadas transferências financeiras e um vasto conjunto de decisões e de concursos públicos que se prestam a parcialidades.
Texto:
Para Eduardo Souto Moura, que tem 40 anos de relações com a administração portuguesa, "o pior da corrupção na nossa administração é o poder local". No programa "Primeira Pessoa", o arquitecto diz (a partir do minuto 23 na RTP Play) que, por isso, votou contra a regionalização. Salientou que com estas declarações "o vão matar" e que "o poder local é o expoente máximo da manipulação de dinheiros e favores que ninguém vislumbra e com parcialidades nas decisões sobre loteamentos e aprovação de projectos".
São declarações que exigem reflexão e debate - também nas campanhas eleitorais -, em mais uma zona das decisões públicas em que se constata a ausência de meios nas inspecções e até no Ministério Público.
As nações que falham por inconsistência de políticas inclusivas têm uma característica comum: constituição de vários órgãos com funções semelhantes numa mesma organização. O resultado é a dispersão da capacidade das oposições e da fiscalização, e a inscrição de decisões autocráticas a favor de oligarquias e contrárias à distribuição da riqueza.
É evidente que é impossível um estudo empírico com regressões lineares múltiplas que nos permita afirmar que com outro modelo de gestão autárquica o território estaria em melhor estado e as contas do país mais saudáveis. Mas o modelo vigente não será o fim da história. Deve ser objecto de uma evolução, já que não será justo nomear, e generalizar, como pouco confiável quem se dedica ao poder local.
Evoluir poderá ser, por exemplo e como ponto de partida para um debate, a fusão da assembleia municipal e do executivo num só órgão autárquico, à semelhança do que acontece nas juntas de freguesia e em várias autarquias na Europa. E não se trata apenas de eleger como prioridade a redução do investimento em senhas de presença. A ideia é que se realizem eleições por método de Hondt para os deputados do único órgão autárquico. O primeiro da lista vencedora formaria o executivo como o primeiro-ministro constitui um governo com membros eleitos ou não eleitos. Nas reuniões do órgão autárquico estariam presentes os eleitos e a lei indicaria quem presidia a esse órgão e todas as outras questões que naturalmente se suscitam.
Deste modo, terminavam os vereadores sem pelouro ou com pelouro mas com declaração de oposição e clarificava-se a quem compete exercer o governo, a oposição e a fiscalização. O que existe é até caricato e pode tornar-se politicamente "promiscuo" num convívio executivo permanente. Imagine-se Rui Rio como ministro sem pasta ou Jerónimo de Sousa como ministro do Trabalho, mas declarando-se em oposição às políticas do "seu" executivo. Mas o que mais se salienta nas câmaras municipais, é que a presença de vereadores da oposição no executivo fragiliza a sua capacidade política e torna irrelevante a assembleia municipal. Aliás, talvez seja este modelo o primeiro responsável por um poder político que não consegue vislumbrar o que Eduardo Souto Moura evidencia.
E se o modelo das escolas que o Governo de José Sócrates impôs se revela exclusivo por fomentar a autocracia, o amiguismo e a parcialidade, não será uma boa ideia entregar a escola a este modelo de gestão autárquica. Antes de mais, será fundamental rever os dois modelos. É importante sublinhar que a gestão das escolas pelos municípios implicará avultadas transferências financeiras e um vasto conjunto de decisões e de concursos públicos que se prestam a parcialidades.