Humanos Duplicados
Acabei de ler o "A Anomalia", de Hervé Le Tellier (Prémio Goncourt 2020) e peguei na última edição impressa do Expresso. Dei com o seguinte destaque na primeira página: "sete em cada dez concursos para dirigentes do Estado são ‘viciados’". Dizem os especialistas que na educação a percentagem é ainda maior. Também questionam o que se passa nas escolas e nos Conselhos Gerais. Dizem que a "impunidade", nalguns casos com a conivência do fiscalizador, "ultrapassa leis e regulamentos, numa verdadeira roda livre ". E estabeleci uma relação entre as leituras e os estranhos fenómenos.
Voltando ao desconcertante "A Anomalia". Em Junho de 2021, um acontecimento estranhíssimo mudou a vida de centenas de pessoas de um voo Paris-Nova Iorque. O avião que aterrou em 21 de Junho de 2021 era o mesmo que aterrou em 21 de Março de 2021. Para além do avião, dos meta-dados e de um fenómeno atmosférico imprevisto e inédito antes da aterragem, também coincidiam todas as pessoas que vinham no avião. De repente, 200 e tal humanos duplicados. A investigação das mais altas instâncias denominou-os, para os diferenciar e sistematizar o processo, MariaMarço e MariaJunho ou ManuelMarço e ManuelJunho; e por aí fora. Claro que ambos conheciam toda a vida do duplicado, com uma excepção: a PessoaJunho desconhecia o que se passou entre 21 de Março e 21 Junho com a PessoaMarço. E foi essa a relação que estabeleci entre os humanos duplicados e os concursos públicos. Pelo que se observa, as ilegalidades ou viciações parecem cometidas por duplicados que "desconhecem" o que se passou no período dos concursos. São todos MariaJunho e ManuelJunho.
É muito interessante o "A Anomalia". Retrata diversas pessoas duplicadas no tal fenómeno e permite surpreendentes observações e conclusões. Sem revelações que "prejudiquem" potenciais leitores, é impressionante o desfecho da personagem inicial: o psicopata Blake. Só uma nota: não tenho qualquer relação com a Editorial Presença que edita o livro por cá, nem aparecerá um qualquer duplicado a contrariar o que declarei.