A escola e a fragilização da democracia
Não se conhece uma assumpção de culpa quando a democracia é empurrada para um degrau inferior. Mas decerto que há justificações. A escola pode dar um importante contributo, em duas ou três gerações, para a consolidação da democracia ou para a sua fragilização. Comprova-se, por exemplo, a relação directa e proporcional entre a qualidade democrática das escolas, a ambição escolar dos alunos e a confiança nos professores, por muito difíceis que sejam esses estudos empíricos. E a ambição escolar é tão determinante como as condições socioeconómicas.
Como Portugal tem elevadas taxas de insucesso e abandono escolares, é natural que a desorientação, e a constante alteração de políticas, seja simultaneamente causa e consequência e se transforme em autofagia. Há uma justificação no longo prazo se nos compararmos com quem eliminou o analfabetismo no século XIX e onde a ambição escolar é inquestionável. Contudo, há variáveis importantes no curto prazo e a confiança nos professores é preciosa. É um requisito relacional decisivo para a robustez da democracia. Para além de tudo, a desconfiança nos professores é intuída pelos alunos, desautoriza salas de aula, prejudica o ensino, afecta todos os alunos e "cria" escolas para os "mais informados". E é essa segregação social (porque as escolas têm limites de vagas) que dificulta a redução do abandono escolar. A "miscigenação das diversas condições" é tão determinante para a elevação das escolas e dos sistemas escolares como é, em sentido lato, para o crescimento da decisiva classe média que fortalece a democracia (é ler Hannah Arendt).
Regredimos na última década e meia. Houve um choque de desconfiança nos professores evidenciada, desde logo, pela hiperburocracia, pela avaliação de professores (a farsa "meritocrática"), pelo estatuto do aluno (o "cliente tem sempre razão" não se pode aplicar à escola) e pelo modelo de gestão escolar (um recuo democrático já desaconselhado no século passado). São instrumentos fundamentais que entraram num caminho disruptivo, e em que a actual maioria estranhamente não toca, contribuindo assim de modo indesculpável para a fragilização da democracia (e, depois, admiramo-nos).
Reescrito.
1ª edição em 10 de Maio de 2012.
Imagem do célebre "Clube dos Poetas Mortos",
uma intemporal homenagem à democracia.