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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

De vento em popa

31.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

As infernais grelhas são um modo de vida no tratamento da informação escolar. A coisa já não se intensifica apenas nos finais de período. Começa nas tais intercalares com um registo info-excluído traduzido em ficheiros excel e word. A escola actual é, realmente e em modo crescente, uma organização que adoece os professores.

Caso GPS: aguardemos o veredicto da justiça

30.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

"Colégios GPS: Ministério Público deixa cair acusação de abuso de confiança, mas mantém corrupção.(...)O Ministério Público já não considera suspeitos de abuso de confiança os arguidos do caso dos colégios do grupo GPS, embora mantenha as acusações de corrupção, peculato, burla e falsificação de documentos. Se o caso irá ou não a julgamento saber-se-á na próxima sexta-feira.(...)"

A escola e a fragilização da democracia

28.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

Não se conhece uma assumpção de culpa quando a democracia é empurrada para um degrau inferior. Mas decerto que há justificações. A escola pode dar um importante contributo, em duas ou três gerações, para a consolidação da democracia ou para a sua fragilização. Comprova-se, por exemplo, a relação directa e proporcional entre a qualidade democrática das escolas, a ambição escolar dos alunos e a confiança nos professores, por muito difíceis que sejam esses estudos empíricos. E a ambição escolar é tão determinante como as condições socioeconómicas.

Como Portugal tem elevadas taxas de insucesso e abandono escolares, é natural que a desorientação, e a constante alteração de políticas, seja simultaneamente causa e consequência e se transforme em autofagia. Há uma justificação no longo prazo se nos compararmos com quem eliminou o analfabetismo no século XIX e onde a ambição escolar é inquestionável. Contudo, há variáveis importantes no curto prazo e a confiança nos professores é preciosa. É um requisito relacional decisivo para a robustez da democracia. Para além de tudo, a desconfiança nos professores é intuída pelos alunos, desautoriza salas de aula, prejudica o ensino, afecta todos os alunos e "cria" escolas para os "mais informados". E é essa segregação social (porque as escolas têm limites de vagas) que dificulta a redução do abandono escolar. A "miscigenação das diversas condições" é tão determinante para a elevação das escolas e dos sistemas escolares como é, em sentido lato, para o crescimento da decisiva classe média que fortalece a democracia (é ler Hannah Arendt).

Regredimos na última década e meia. Houve um choque de desconfiança nos professores evidenciada, desde logo, pela hiperburocracia, pela avaliação de professores (a farsa "meritocrática"), pelo estatuto do aluno (o "cliente tem sempre razão" não se pode aplicar à escola) e pelo modelo de gestão escolar (um recuo democrático já desaconselhado no século passado). São instrumentos fundamentais que entraram num caminho disruptivo, e em que a actual maioria estranhamente não toca, contribuindo assim de modo indesculpável para a fragilização da democracia (e, depois, admiramo-nos).

 

Reescrito.

1ª edição em 10 de Maio de 2012.

 

 

Imagem do célebre "Clube dos Poetas Mortos",

uma intemporal homenagem à democracia.

 

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A ambição escolar, o curto prazo e a confiança nos professores

27.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

 

A relação entre a qualidade da escola e a ambição escolar dos alunos é directa e proporcional. Embora sejam difíceis os estudos empíricos num assunto que exige modelos consolidados, é seguro afirmar que os alunos são decisivos. 

A ambição escolar é tão determinante como as condições socioeconómicas. Como Portugal apresenta taxas elevadas de insucesso e abandono escolares, é natural que a desorientação, e a constante alteração de políticas, seja simultaneamente causa e consequência e se transforme em autofagia.

Há uma justificação no longo prazo se nos compararmos com países que eliminaram o analfabetismo no século XIX e onde a ambição escolar é inquestionável. Contudo, há variáveis importantes no curto prazo. É possível, por exemplo, erguer algo de significativo em meia dúzia de anos, numa escola ou num sistema escolar, ou destruir o que levou anos a construir.

E é também por isso que a confiança nos professores é tão determinante e preciosa como a ambição escolar dos alunos. É um requisito relacional decisivo. Para além de tudo, a desconfiança nos professores é intuída pelos alunos, desautoriza as salas de aula, prejudica o ensino, afecta todos os alunos e origina a escolha da escola pelos "mais informados". E é essa inaceitável segregação social que dificulta a redução do abandono escolar. A "miscigenação das diversas condições" é tão determinante para a elevação das escolas e dos sistemas escolares como é, em sentido lato, para o crescimento da decisiva classe média que fortalece a democracia.

Regredimos na última década e meia. Houve um choque de desconfiança nos professores evidenciada, desde logo, pela hiperburocracia. Se a avaliação de professores (uma falsa "meritocracia") e o estatuto do aluno (o "cliente tem sempre razão" não se pode aplicar à escola) estão na memória colectiva com efeitos negativos comprovados, o modelo de gestão escolar (um recuo já desaconselhado no século passado e que até os mentores mais optimistas reconhecem na aplicação a fragilização preocupante da atmosfera democrática) segue o mesmo caminho disruptivo; apesar de mais silencioso e menos mediatizado. São instrumentos fundamentais em que a actual maioria estranhamente não toca.

 

1ª edição em 10 de Maio de 2012.

Reescrito e em actualização.

 

Imagem do célebre "Clube dos Poetas Mortos"

 

 

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“Nós, os portugueses, somos óptimos”

22.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

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A entrevista termina assim:

"(...)Gostou da trilogia de Elena Ferrante?
Claro que gostei! Devia ser uma leitura obrigatória para todos os europeístas. A União Europeia hoje é um veneno e vai acabar."

 

Concordo que é uma obra muito interessante e de leitura mesmo obrigatória. Só que é uma tetralogia (quatro volumes); se a Ana Sá Lopes, o Manuel Carvalho e o Vasco Pulido Valente fossem professores, e como já não são umas crianças, sugerir-se-ia de imediato que foi muito fumo e álcool e a entrevista já ia longa :)

professores: entre a mediatização e a "fuga"

21.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

A mediatização da carreira dos professores continua infernal. Do orçamento aos estudos, nada escapa ao "arremesso ao professor". Ter 40 anos de descontos com 60 anos de idade, uma impossibilidade para a maioria dos professores, foi o limite mínimo para eliminar o corte do factor de sustentabilidade nas reformas antecipadas. Não se percebeu se a declaração foi além orçamento e só para a segurança social, mas os sinais de alerta ecoaram de imediato por se reconhecer ao declarante um alto desempenho em jogos florais. Fazer, por exemplo, os 40 de descontos aos 63 de idade deve ser "inconstitucional". E depois temos os títulos: ""Mais de 20 mil professores acham que consomem medicação a mais(...)e revelam estar preocupados com o seu consumo de álcool ou drogas. Imagine-se o jeito argumentativo que estes destaques dão ao tal arremesso.

O que mais se estranha, ou talvez não, é o silêncio ensurdecedor do parlamento em relação às causas que os estudos repetem à exaustão. Será porque a quase totalidade das causas são mais ideológicas do que financeiras e promovidas pela não menos infernal plêiade de treinadores de bancada que pulula pela educação?

Vou recorrer a desenvolvimentos noticiosos que não fazem títulos de notícias nem aberturas televisivas. Ora leia.

"Os professores não passaram a odiar os alunos. Adoeceram internamente. Os professores são vítimas de uma organização de trabalho que adoece.(...)Nove em cada dez quer reformar-se antecipadamente. Mais de 70% dos professores dão aulas exaustos e 84% desejam aposentar-se antecipadamente.(...)Os casos de indisciplina eram problemas da escola e da sociedade e não do professor.(...)O modelo de gestão autoritário e o ensino padronizado roubam a autonomia na sala de aula e isso adoece os professores.(...)O fim da gestão democrática, a falta de reconhecimento público da profissão e o excesso de burocracia são preocupações com forte relação com o estado de exaustão.(...)Tenho 56 anos de idade, 33 e tal de serviço, sou uma professora derrotada, desfeita. Pudesse eu pedir isenção do serviço não-letivo, reuniões, reuniões, reuniões(...)."

A imagem é sobre a poluição por plástico. Conhecendo quem produz a matéria prima, não é difícil encontrar os motivos que travam as mudanças. No caso das escolas, basta recuar no tempo, perceber onde estavam os diversos decisores e constatar a profundidade da aversão aos professores que nos remete para um qualquer ajuste de contas que nos projecta para o imobilismo parlamentar que sustenta a poluição do espaço dos professores entre a mediatização e a "fuga".

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Foto: Reuters

Só faltava esta: é professor com mais de 50 anos? Mete-se nos copos ou nas drogas

20.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

O estudo tem várias conclusões importantes. O Público destaca o consumo de medicamentos, álcool e drogas. Só nos faltava mais este argumento para a malta do "arremesso ao professor": é professor e tem mais de cinquenta anos? Huuummm, se não é alcoólico anda nas drogas. Ora leia. "Mais de 20 mil professores acham que consomem medicação a mais. Há também 9000 docentes que revelam estar preocupados com o seu consumo de álcool ou drogas. Classe recorre a estas substâncias como doping para enfrentar o trabalho, diz estudo da Universidade Nova de Lisboa encomendado pela Fenprof."

 

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reduzir a papelada?!

19.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

"Governo proíbe garrafas, sacos e louça de plástico na Administração Pública. A resolução, aprovada em Conselho de Ministros, prevê ainda a redução em 25% da despesa em papel e consumíveis". Esta decisão de 18 de Outubro de 2018 não é assim tão moderna. Ou seja, do ponto de vista escolar é até do século XX. Claro que há papelada e toneladas de plástico, mas a versão digital dos procedimentos está imparável e e com o pensamento na "repartição pública de meados do século XX". Moderno, mas moderno mesmo, seria reduzir também, mas em 95%, a circulação infernal de ficheiros excel e word na gestão da informação. Para quem desconheça (confissão dos actuais governantes), as grelhas já acrescentam hiper-grelhas: as grelhas que aglutinam as grelhas. Sempre que muda o ano com uma "reforma", a hiperburocracia digital acrescenta um patamar sem eliminar delírios anteriores.

 

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Foto:  Mohamed Azakir/Reuters

O parlamento desconsidera os professores

18.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

No caso dos professores, nada de substancial se altera com as mudanças de geometria parlamentar no suporte dos governos. Nem sequer a hiperburocracia ou a dimensão civilizada e democrática das organizações. Mas passemos à frente.

Conclui-se que, afinal, o "Governo endurece regras para reforma antecipada". Enquanto se sucede o rol de mentidos e desmentidos de todos os universos parlamentares, anuncia-se que a "recuperação integral do tempo de serviço dos professores na Madeira começa a 1 de Janeiro". Quem viu as declarações dos partidos que suportam o Governo durante a saga OE2019, sorri com uma frase que ouvi por aí (mais ou menos assim, claro): "Enquanto a maltinha da escola Robles joga às ultrapassagens com a trupe dos fumos da margem sul, os dos olhinhos só para as Raríssimas cortam nos do costume e "emprestam" aos bancos".

"Fim do corte nas pensões antecipadas"?!

14.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

Está muito longe de ser o "fim do corte nas pensões antecipadas". Só se reformará neste regime quem for alvo das indecências que levam ao desespero. O que termina para algumas situações é o corte de 14.5% do factor de sustentabilidade (FS). Mas mantém-se o corte de 0,5% por mês até aos 66 anos e meio. Ou seja: quem fizer 60 anos com 40 anos de descontos reforma-se sem os 14.5% do FS, mas tem um corte de 39,5% dos tais 0,5% por mês. Fala-se numa personalização do cálculo das reformas antecipadas que pode transformar tempo de descontos além dos 40 anos em idade. Mas fala-se. E mesmo isso é insuficiente. O factor de sustentabilidade foi um excesso do tempo da troika e já devia ter caído. O resto também deve mudar e está intocável.

da falta de professores ao estado do século XXI

13.10.18, Paulo Prudêncio

 

 

 

Já faltam professores. Quando o inverno se impuser, e o cansaço se acumular, haverá falta de candidatos às substituições. Era previsível. Foi mais de uma década a descer. Sejamos claros: somos um país pobre (em grande parte por causa da "surpreendente dimensão" da corrupção - palavras da ex-PGR -, da "incomodidade" com a transparência e da desorganização), com baixos salários e com empregos pouco atractivos. Os jovens não têm alternativas internas e é também isso que alimenta alguma resiliência. Como agravante, o estatuto dos professores precarizou-se. O meio da carreira será o topo no futuro próximo e há todo um mar de desconsiderações. Olhe-se para os europeus que seguiram esse caminho.

Aliás, os professores são um exemplo para se perceber o esgotamento político do grande bloco central. A precarização teve um ideário comum. Os únicos cargos merecedores de um bom estatuto foram os de natureza política (para recrutar os "melhores") e os de topo das empresas, públicas e privadas, protegidas pelos estados.

Os EUA têm dois exemplos do inferno que se abateu sobre os professores. A mudança radical de posição de Diane Ravitch, ex-governante no tempo do 1º Bush, lê-se em duas obras preciosas: "O reinado do erro: A farsa do movimento de desestatização e o perigo para as escolas públicas da América" e "Vida e morte do sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação". Mais recentes são os estudos que "desacreditam de forma inapelável" "o sistema de avaliação de professores patrocinado pela Fundação Gates e pelo "Obama Race to the Top": "baseou-se na avaliação de professores através dos testes padronizados aos alunos. O modelo remunerava eficazes e despedia ineficazes. Erraram em toda a linha. Prejudicaram os alunos, empurraram os melhores professores para fora da profissão e desencorajaram a candidatura dos jovens com melhores resultados. São responsáveis pela escassez de professores."

Klaus Schwab (2017:64) na "A Quarta Revolução Industrial", diz que "(...)os governos têm de se adaptar. O poder muda de agentes estatais para não estatais e de instituições estabelecidas para redes dispersas. As novas tecnologias e os grupos sociais e as interacções que promovem permitem que qualquer pessoa exerça influência de uma forma que seria inconcebível há poucos anos.(...)". Ou seja, se o século XXI assiste à eleição de potenciais ditadores com o voto de eleitores escolarizados, a explicação relacionar-se-á também com a exclusão e a precarização (a revolta e o desespero) como passos para o "não tenho nada a perder" (e, às tantas, para o "quanto pior melhor").

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Imagem: Paresh Nrshinga - Inspired by Mark Rothko

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