Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

as minhas calças brancas parte I

29.10.16, Paulo Prudêncio
 
 
 
 
electrode.gif

 
(Este texto, que tem duas partes,
foi escrito em Março de 2006)
 
 
 
Estava aqui a tentar perscrutar as sensações produzidas por vibrações mecânicas de frequência compreendidas entre determinados valores nas sinapses que acontecem nas circunvoluções do meu córtex cerebral.… Como?! 

Não, não, não, vou começar de novo.

Estava aqui a tentar ouvir o som dos meus pensamentos…. O som dos meus pensamentos?!

Não, não, isto ainda não está suficientemente claro.

Não desista, meu caro leitor. Por vezes, o que é difícil é começar. Tomar-lhe o jeito. Depois, tudo flui. Estou aqui a reflectir sobre duas categorias imensas: a morte e a consciência moral. Tão imensas que por causa delas o Homem criou leis na terra e no céu para que com as diferenças não se fizesse apenas tragédia. Dificílimo tem sido o caminho.

Exercitando dificuldades sobre dificuldades, para que com a escrita se atenue alguma escuridão, ambiciono relacionar as categorias convocadas. Já está melhor? É capaz de me dizer que este assunto não promete? Claro que não é capaz. Tenho até a intenção de o abordar em poucas palavras.

Ora leia, se faz o favor.

Eu sei que poderia trazer à liça os círculos do inferno de Dante Alighieri, tão divina continua a comédia das vidas terrenas, já que este poeta do século XIII, um piscar de olhos, deixa qualquer outra tentativa desarmada.

Faria aqui o ponto final e ficávamos os dois descansados: eu e o caríssimo leitor, entenda-se.

É isso. Vou pela metáfora. Não deixo de lhe dizer que preferiria que não me conhecesse pessoalmente. Se chegou até aqui só me posso desfazer em vénias. Nem sei para que é que estou com tantas questões prévias, já que o texto, uma vez publicado, já se sabe: ganha as asas que a cabeça de cada leitor quiser.
 
 
 
 

as minhas calças brancas parte II

29.10.16, Paulo Prudêncio


 

 
 
 
Haverá ser humano que nunca tenha desejado ardentemente uma coisa material? No meu caso foi um par de calças.

Teria quase dezoito anos quando passei pela montra de uma loja em tudo inacessível e de me ter deslumbrado com um par de calças de ganga de cor branca.

Não digo a marca. Seria publicidade e não me pagam para isso e não só as tenho como ainda as uso.

Enquanto massacrava os meus progenitores, conquistava, diária e pacientemente, as graças das “minhas calças brancas”. A inacessibilidade não passou o primeiro natal.

A estreia coincidiu com a minha maioridade moral: a etária. Não, não se inquiete: sei que estas coisas da moral não têm barreiras definidas, mas ajuda-me a contar a história.

Saí de casa, depois de inúmeros olhares deslumbrados para um espelho de corpo inteiro, e dou com um charco imenso. Se a intenção era chegar a um local que se situava no lado oposto, o aparecimento de um obstáculo lamacento surgiu-me como uma dificuldade inultrapassável.

Parece-me que se compreende. As amadas calças salpicadas de lama no dia um? Nem pensar. Nem um pingo sequer. Havia que contornar o charco com a certeza da sua finitude; decerto que o outro lado se alcançaria.

Têm sido anos de caminhada e o charco parece não ter fim. Não raras vezes, recebo convites de pessoas que se atravessam charco adentro motivados pela impaciência para caminhadas longas, limpas e seguras. Chafurdam na lama. Também nunca as tinha visto de calças brancas, é certo. Acenam-me do outro lado ou mesmo em pleno charco. Digo que não e já não mudo. E o que é que isto tem a ver com a morte, direis vós? O outro lado, o inferno de que vos falei, direi eu. E as categorias não eram duas?
 

Ler os clássicos

29.10.16, Paulo Prudêncio

 

 

 

"Os clássicos são livros de que se costuma ouvir dizer: "estou a reler..." e nunca: "estou a ler..."; um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que que tem a dizer; os clássicos são livros que quanto mais se julga conhecê-los por ouvir falar, mais se descobrem como novos, inesperados e inéditos ao lê-los de facto; é clássico o que tiver tendência para relegar a actualidade para categoria de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído de fundo"(...).

 

 

Italo Calvino (1991), "Porquê ler os clássicos?" 

tradução de José Colaço Barreiros, 

edição da Teorema

 

calvino_italo-19810625-2_png_300x307_q85