O PARTIDO SOCIALISTA (PS) português parece ser, hoje, um dos vários partidos da Internacional Socialista (IS) que anda na política por ver andar os outros. O socialismo democrático está em crise porque abdicou há muito de elaborar um pensamento político próprio, autónomo, genuinamente social-democrata. E porque julgou que se modernizava e actualizava incorporando nos seus programas eleitorais ideias e propostas dos seus rivais de direita, adeptos do neoliberalismo e da mundialização sem regras.
Para alcançar o poder a qualquer preço, o PS português e outros partidos da IS adoptaram paulatinamente o pragmatismo sem princípios, transformando-se pouco a pouco numa variante social- -democrata do neoliberalismo, seguindo, aliás, os exemplos do «thatcherismo» e do «reaganismo», que já se tinham transformado, no Reino Unido e nos EUA, respectivamente, em variantes neoliberais do conservadorismo.
Parafraseando (a contragosto do próprio) o que recentemente escreveu (noi) um membro da actual direcção do PS, é verdade que o PS português e outros partidos da IS "deixaram-se devorar por dinâmicas reaccionárias e conservadoras". Abdicaram, por exemplo, dos sete pilares da social-democracia: liberdade, igualdade, justiça social, desenvolvimento, solidariedade, universalidade e soberania popular. Revelando uma total ignorância histórica, o mesmo dirigente do PS sustenta que a esquerda é defensora do liberalismo e do individualismo, sem sequer distinguir o liberalismo filosófico e político do liberalismo económico e financeiro (e do neoliberalismo, que nem sequer é liberal). Diz também que "a esquerda nasceu contra o Estado", mas "inventou a burocracia" (produto do Estado) "para defender o indivíduo". Além disso, imaginem, "inventou o simplex". Este delírio descabelado e hilariante é oriundo da cabecinha de um dos mais importantes dirigentes do PS?.
É evidente que os partidos da IS, sobretudo os europeus, foram contaminados, no final do século XX, pelas ideias veiculadas pela chamada "Terceira Via" - defendidas, sobretudo, por Tony Blair (que criou o "New Labour") e pelo seu sociólogo de serviço, Anthony Giddens (autor do conceito de "Terceira Via" entre a esquerda e a direita), mas também pelo então líder do SPD alemão Gerhard Schroeder (adepto do chamado "Novo Centro"). Giddens chegou mesmo a decretar, expressamente, o "arcaísmo da esquerda" face à "revolução neoliberal", assim como o carácter ultrapassado do Estado perante a "ideia fulcral e incontornável" da mundialização. Disse ele: "A política da terceira via deve adoptar uma atitude positiva em relação à mundialização. Os governos social-democratas já não podem utilizar os métodos tradicionais de estímulo à procura e do recurso ao Estado, porque os mercados financeiros não o permitiriam".
Na cabeça dos dirigentes que abraçaram a "Terceira Via", impôs-se rapidamente a ideia de que os seus verdadeiros "inimigos" eram "os extremistas de esquerda" (ou seja, os sindicalistas e as classes trabalhadoras tradicionais). Por isso, era preciso "recentrar" os seus partidos (isto é, situá-los no "centro do centro") e procurar, sobretudo, conquistar as "novas classes médias". O PS português é, nesta perspectiva, um reflexo bastante fiel da rendição do socialismo democrático ao neoliberalismo.
Os novos dirigentes dos partidos da Internacional Socialista levaram a cabo uma verdadeira campanha de despolitização do espaço público, que se saldou pelo triunfo da forma (de comunicação) sobre o conteúdo (das políticas). Os próprios políticos foram transformados em produtos de marketing num contexto em que as suas personalidades e os seus sorrisos se tornaram trunfos no mercado mediático. A "Terceira Via" inseriu-se, de facto, num movimento geral europeu de convergência ideológica dos partidos da IS em direcção àquilo que muitos designam por "social--liberalismo", e que, na realidade, não passa de uma versão atenuada do neoliberalismo. Situados bem no "centro do centro", o PS português e outros partidos da IS não conseguem ser mais do que alternativas de gestão do statu quo neoliberal imposto pelos governos de direita.
De facto, o "centro do centro" corresponde essencialmente àquilo a que o grande constitucionalista e politólogo francês Maurice Duverger chamou o "juste milieu". E hoje continua a ser evidente que ele tinha razão quando escreveu, em 1967, no seu livro "La Démocratie sans le peuple", o seguinte:
"O centrismo favorece, regra geral, a direita. Aparentemente, as coligações do 'juste milieu' são dominadas, ora pelo centro-direita, ora pelo centro-esquerda, seguindo uma oscilação de fraca amplitude. (?) Estas aparências mascaram, todavia, uma realidade completamente diferente. Por trás da ilusão desse movimento pendular, o centro-direita domina quase sempre. (?) Em vez de implicar uma transformação lenta mas regular da ordem existente, a conjunção dos centros desemboca no imobilismo, ou seja, no triunfo da direita".
O "centro do centro" é, portanto, um terreno propício às mais variadas renúncias ideológicas e abdicações políticas. Regra geral, invoca-se, como justificação para quase todas as suas políticas, a defesa de superiores interesses da Nação, do País e do Estado - ou mesmo da "comunidade internacional", quando se trata de justificar a invasão de outros países por "razões humanitárias".
Antonio Gramsci dizia que "a crise é quando o que é velho está a morrer e o que é novo não consegue nascer". Estamos a assistir à agonia do capitalismo financeiro, que pode ser longa e ter consequências ainda mais devastadoras, mas os partidos da IS e, concretamente, o PS português, continuam em estado de letargia ideológica e política, quando seria legítimo esperarmos deles a formulação de programas bem diferentes, com propostas inovadoras claramente distintas do neoliberalismo vigente.
Resta-lhes aguardar que o poder lhes caia no regaço, por exclusão de partes, à medida que os diversos governos de direita forem apodrecendo."