"Escreveu Yourcenar: "Para quê fazer da vida um dever se ela pode ser um sorriso?" Sem lhe recusar razão, direi que para este homem - António Marques Júnior - a vida foi, e não contraditoriamente, um sorriso e um dever. Um sorriso, de humilde reconhecimento e afecto, em primeiro lugar e em especial, para a sua mulher, a Luísa, para a sua filha, a Filipa, para a sua neta, a Luísa. Um sorriso de afecto, depois, para os seus soldados, amigos, camaradas, concidadãos. E foi também, e em simultâneo, sempre, um dever erigido em grande propósito ético, a que em todos os momentos respondeu com inteligência e ousadia, com nobre carácter, com impoluta honradez, com patriótica responsabilidade social.
Foi, também, emblematicamente, com um sorriso e, sobretudo, com dever - dever intelectual, de responsabilidade social e, até, de afecto - que aderiu ao Movimento dos Capitães. Razões de dever intelectual porque sabia, já então, que a política para o ultramar era destituída de discernimento, ousadia e estratégia política contra-revolucionária. Obsessão política inútil, a do Governo, porque incapaz era, como disse David Galula - por muitos considerado o Clausewitz da insurreição -, de desenhar e prosseguir uma contracausa capaz de assegurar não só a modernização económica e o desenvolvimento social das colónias, como de organizar, localmente, eleições, preparar líderes políticos, fomentar a organização de formações políticas, estabelecer e agendar um referendo de democrática configuração, aberto à independência com Portugal. Razões, ainda, de dever e responsabilidade social porque sabe e sente que, a todos, tudo cabe fazer, no âmbito das suas possibilidades, para preservar e desenvolver, com justiça e liberdade, genuinamente democráticas, a sociedade a que se pertence e em que se vive.
A Primavera de Abril sente-a Marques Júnior em 1973, participando em todas as reuniões e opções do Movimento dos Capitães. Jovem tenente, recém-casado, totalmente se empenha na acção militar de Abril, tudo arriscando: arriscando a vida, mesmo, nos previsíveis confrontos militares a travar. E tudo faz aceitando como comando de tropas na acção, operacional, que, em caso de desaire, recuo não teria, pois lhe caberia, então, responder pelos seus homens e por si. E tudo faz arriscando o futuro da sua vida familiar, recém-constituída. E tudo faz, também, sabendo que punha em risco as suas legítimas ambições de carreira, que se augurava brilhante, dado a sua comprovada capacidade de liderança perante os seus soldados, aliás reconhecida, também, pelos seus superiores hierárquicos.
Terminada a acção vitoriosa de Abril, procura regressar à sua vida militar. E dela só sai, com relutância, quando, pelo seu prestígio, é chamado a colaborar no tempo político militar seguinte.
Recusando, sempre, mediatismo, intervém, muitas vezes decisivamente, na conturbada transição democrática, mantendo sempre estrita fidelidade às promessas e às decorrentes obrigações de Abril, consagradas no programa do MFA.
Por Ramalho Eanes"