quase 7 anos depois
Como parece que há mais tempo para a leitura de textos longos, decidi reeditar este texto (Título: "Pensar o sistema escolar) escrito em 2005 e que inseri no blogue em 29 de Novembro de 2005. Antes disso, foi divulgado no site das novas fronteiras, no expresso online e na edição impressa da Gazeta das Caldas em 25 de Novembro de 2005. É um raciocínio por indução sobre o sistema escolar e permite reflectir sobre o sítio em que estávamos, o caminho que percorremos e o estado em que nos encontramos.
Não só em modelos indutivos deve assentar a construção das ideias e dos métodos. Recordo as palavras, não literalmente, do Presidente da República Portuguesa quando visitou a Noruega, em 2004: "os noruegueses apostam muito na organização e quando têm que gerir alguma coisa não têm imensas ideias, apostam antes em poucas alavancas e escolhem aquelas que, resultando de uma aturada análise, lhes parecem as chaves que arrastarão tudo o resto".
Ora é precisamente isso que é necessário fazer no sistema escolar em Portugal. Temos assistido a um somatório de discussões e polémicas que invariavelmente aumentam o trabalho burocrático dos actores da escola, mas que não introduzem qualquer alteração estruturante e significativa. Na maioria das vezes, apenas alimentam as agendas dos órgãos difusores de informação.
Mas a ideia da simplificação não é de modo nenhum peregrina. Cruzei-me com esta tese nos primeiros anos como docente. Decorria o ano de 1983, tinha acabado de leccionar 11 turmas do 11º ano. Cerca de 400 alunos e um sala exígua que se denominava ginásio. Um verdadeiro suplício. Não havia método de ensino que resultasse. Era um jovem professor cheio de ideias e de vontades académicas e depressa contactei com as amarguras de um docente entusiasmado .Todavia, foi esse o ano da atribuição do prémio Nobel ao britânico William Golding. Lembro-me duma sua entrevista ao canal 2 da televisão portuguesa. Já no fim desse interessante registo, é-lhe feita a pergunta sobre o método de ensino que ele mais utilizava. Estava curioso. Recordo, que o genial escritor tinha sido professor do 1º ciclo durante umas boas três décadas. A resposta foi pronta e mais ou menos do género: "meu caro, com 30 alunos não há método que resulte, agora com 10 alunos todos os métodos podem ser eficazes". Foi lapidar.
As escolas dos 2º e 3º ciclos e do ensino secundário, consomem 90% da sua energia a tratar dos problemas da sobrelotação. É com se uma família tivesse dez filhos e habitasse uma só assoalhada servida por uma casa da banho. Lá teria o pai que advogar a falta de autoridade ou a mãe de remeter o problema para a complexidade do regulamento interno, da internet ou da televisão. A questão do sistema escolar, e não da Educação, e aquilo que o afasta das escolas dos países do chamado primeiro mundo, é a sobrelotação das instalações e o desgraçado regime de desdobramento.
As crianças e os jovens deveriam ter as aulas no período da manhã e as actividades de complemento no início da tarde. Não conheço professor que se resigne ao facto dos seus filhos frequentarem o turno da tarde. E se falo de docentes, posso, também, referir os filhos das famílias capazes de pressionarem as instituições escolares. E os filhos dos que não sabem que o podem fazer? Esses filhos, são os que abandonam cedo a escola e são os que contribuem para os nossos maus desempenhos nos testes internacionais. Em regra é assim.
O que podemos fazer?
Eliminar, como medida inadiável e prioritária, os horários de desdobramento nas escolas, garantindo que nenhum estabelecimento de ensino funcione nesse regime e que o número máximo de alunos por turma se situe próximo de 20. Os horários escolares dos alunos têm que respeitar a inclusão das actividades lectivas no período da manhã, ficando o período de início da tarde reservado para as actividades de complemento. Todas as escolas que não cumpram estes objectivos devem ser responsabilizadas, ficando o insucesso desta medida associado à responsabilização política local e regional. Devem ser assinados contratos entre o poder regional, local e escolar de modo a que se estabeleça o limite da consecução destes objectivos. Estou certo que os opositores a estas ideias assentarão os seus argumentos nos imperativos financeiros, daqui a uns anos gastaremos fortunas em obras escolares sem projecto que se perceba, ou aludirão à complexidade da situação. O costume. Obstáculos e mais obstáculos que mais não servem do que pugnar pela asfixia, por vezes mesmo que de modo inconsciente, do nosso futuro colectivo.
Mas o sistema é despesista. Nisso estamos todos de acordo. E é despesista, porque, como diz o arquitecto Nuno Teotónio Pereira, e muitos outros especialista o seguem, Portugal tem 38 quadros de divisão administrativa do território e não um como seria moderno e razoável. O que se pouparia aí em recursos financeiros e em capacidade de planeamento regional da carta educativa leva a que se considere o objectivo primordial de fácil realização.
Uma outra ideia fundamental e de alcance estratégico inquestionável passa pela estafada reforma da administração pública. Mas qual o cerne dessa reforma na educação? Muito se tem falado da avaliação do mérito. Mérito de quem?
Olhemos para os concursos de professores para o ano lectivo 2003/04: quem os desenhou propalava o primado da competência da gestão privada. Todos sentimos arrepios.
Encontramos na rede multibanco do sistema bancário o paradigma daquilo que deve ser feito. Importa que o poder central consiga criar os métodos de gestão da informação em tempo real e que estabeleça as redes com as escolas.
Chega de discutir a gestão escolar do modo ingrato, para os professores claro, que todos conhecemos. A administração escolar tem 10 vezes mais funcionários do que o necessário. Os funcionários de uma só escola são mais do que suficientes para a gestão dos dados de um concelho inteiro. Não advogo o despedimento das pessoas, mas considero um completo desperdício a sua substituição. E os ganhos de eficiência no combate ao desperdício serão incomensuráveis. Por incrível que possa parecer, nem em 2005 a gestão financeira das escolas passa pelas redes informáticas. Culpa de quem? A maioria das escolas recorre ao software de empresas supostamente especializadas ou constrói as suas próprias bases de dados. E o poder central? Para que serve? Como pode falar de competência em gestão quem nunca o fez de modo eficiente. É como na gestão da casa de cada um de nós: só devemos gastar aquilo que temos e não confiar na bondade do que está escrito nas estrelas. E para isso devemos estar bem informados e em tempo útil. O gestor decisivo é o método e não apenas o académico.
Estão aqui três ideias fundamentais. Investir fortemente no desígnio de eliminar a sobrelotação das escolas e das turmas e considerar como prioritários os horários dos alunos no sentido do rendimento pedagógico. Administrar o território com objectivos claros, mensuráveis, consensuais e modernos e legitimados pelo sufrágio universal. Recorrer às novas tecnologias da informação, criando a rede das escolas através da disponibilização dos indispensáveis instrumentos de gestão - vulgo, bases de dados. Com estas três medidas arrastaremos as outras todas: pedagogias mais ou menos directivas, manuais mais ou menos escolares, professores melhor ou pior formados, exames só nos anos terminais ou nos anos todos. Sei lá. Ficaremos parecidos com um país a sério e mais aproximado dos ideais democráticos. Mais do que gestores, o que precisamos é de instrumentos modernos de gestão.
(...)Virámos de século e a aldeia é global. Dez anos que sejam, um ligeiro piscar de olhos na vida de uma sociedade.