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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

intrujices

19.08.10

 

 

 

 

 

 

 

Imagino que não deve ser uma coisa apenas portuguesa, mas na nossa sociedade está há muito institucionalizada a cópia, a batota e a trafulhice. Cópias nos testes e exames, trabalhos de avaliação plagiados, bocados de texto citados sem a devida referência e por aí fora são hábitos enraizados no nosso sistema escolar e na nossa vida pública. Quem disser que o que escrevi não é bem assim, está muito distraído ou tem outro interesse qualquer nessa negação.

 

Não advogo um qualquer Priorado de Sião regenerador nem sei muito bem como acabar com esta praga. E não tenho qualquer problema com o habitual olha-me este armado em sei lá o quê.

 

Vem isto a propósito de duas notícias do dia. Uma refere o facto de um grupo de jornalistas afirmar que conseguia comprar um porta-folhas para avaliação no 12º ano das novas oportunidades por 400 euros. É grave. Mas o que gostava de saber é se esse porta-folhas seria suficiente para certificar alguém. Se assim é, a coisa é duplamente grave. O outro assunto prende-se com mais 250 mil computadores Magalhães para os alunos do primeiro ciclo. Nesta altura e sem qualquer avaliação do que foi feito com o programa anterior, dá ideia que há por aqui uma qualquer intenção de má propaganda.

incapazes

19.08.10

 

 

 

 

 

 

 

Incapazes de reordenar a divisão administrativa do país de acordo com os novos desenhos de ocupação do território do ponto de vista demográfico e das acessibilidades, os governos portugueses desta primeira década do milénio decidiram-se pela desarrumação permanente da gestão organizacional das escolas públicas. Em vez de tratarem do desalinho administrativo do território, consagrado no século passado e que originou 38 quadros em vez de um como acontece nos países modernos e razoáveis, os governos portugueses armaram-se em valentões e flagelaram a escola portuguesa sem dó nem piedade. Os últimos cinco anos foram destruidores.

 

Mas no mainstream semi-descentralizado não se mexe e a divisa parece ser a de alimentar até à exaustão o desperdício que serve os aparelhos dos partidos políticos que estruturaram o voto dos portugueses no período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974; e nenhum se pode pôr de fora deste fatalismo.

 

Na proliferação de organizações que misturam o central com o regional, nos municípios e nas freguesias, e até na inoperante existência de governos civis, nem uma palha de modernidade se acrescenta. Prevalece uma lógica de contra-poder e de afirmação da ruralidade que deixou de fazer sentido há mais de 20 anos. Até a lógica de formação de executivos municipais continua a obedecer a um ideal com evidente desajuste.

 

Na disputa mediática que está instalada parecia que nem se olhava para os momentos da decisão. Não se reconhecia à organização escolar momentos próprios de planeamento. Segundo o que se pode ler num post do Ramiro Marques, aqui, a actual ministra da Educação afirmou que a altura escolhida foi a adequada e fundamentou assim: "Não se tomam decisões destas a meio do ano lectivo". É de bradar aos céus, realmente.

 

A 19 de Agosto de 2010 temos de nos beliscar quando lemos notícias como a que pode ver a seguir.

 

Educação: PSD, CDS e BE criticam timing da decisão



tap dogs

19.08.10

 

 

 

 

Jantámos num restaurante português de nome Nando´s (não gostei, sou franco) na zona de Convent Garden e começámos um passeio que incluía a vizinha Aldwych. Londres tem o mar de teatros que se sabe e o Novello Theatre apresentava os australianos Tap Dogs. Sapateado era a promessa. A negociação do preço dos bilhetes entrou no espaço de leilão dos últimos 10 minutos. Foi divertido. A nossa interlocutora era brava, mas cedeu. Quando depois lhe dissemos que éramos portugueses e professores, ela mudou logo o semblante para o tipo convencido. Constata-se que é reconhecida por esse mundo fora a capacidade de resistência dos professores portugueses.

 

Dentro da sala proliferavam mulheres de copo na mão (o líquido não parecia ser água) e o ambiente era de festa, mas sem desrespeitar o profissionalismo dos actores e da produção. O espectáculo prometeu muito na primeira meia-hora e depois repetiu-se um pouco. Quem se cruzar com os Tap Dogs ganha qualquer coisa com a hora e meia. É mais ou menos assim:

 

 

mais movimentos de terraplenagem

19.08.10

 

 

 

 

 

 

Os movimentos de terraplenagem na rede escolar continuam com desplantes consecutivos. O planeamento e a prospecção são palavras vãs. Estamos a meio de Agosto e uma das confederações de encarregados de educação diz que ainda há tempo para corrigir não sei o quê. Mas o melhor mesmo é ler, aqui, as referidas declarações.

 

Vale tudo, realmente. É o tradicional salve-se quem puder.

 

O presidente da Câmara da Covilhã diz, aqui, de sua justiça:

 

"COVILHÃ NÃO VAI ENCERRAR NENHUMA ESCOLA


A Covilhã foi um dos concelhos que mais contestou a intenção de encerrar escolas e conseguiu que as seis escolas em risco continuem a funcionar. 'Isto significa que a câmara tinha razão quando se bateu pelo não encerramento', disse o presidente da Câmara Carlos Pinto, que ontem à tarde, antes de a lista definitiva ser conhecida, ameaçara, em declarações ao CM, 'colocar os alunos em colégios privados a expensas da câmara'.

Carlos Pinto garantiu que as escolas em causa não irão funcionar apenas mais um ano por autorização especial. 'Não fecha nenhuma escola na Covilhã e ponto final. No futuro ver-se-á o que vai suceder', disse, acrescentando: 'Não é uma vitória minha. Prevaleceu o bom senso. Vale a pena sermos determinados'."

dos anjos

19.08.10

 

 

 

Apetece-me dar voz à escola. Desculpem-me a ousadia e também a maçada. Vou elevá-la a uma entidade nivelada pelos anjos de Rilke e lembrar-vos-ei que a Blimunda de Saramago, antes de deglutir a sua côdea, via os Homens mais por dentro do que por fora; como convém. Elevar a escola e deixá-la ver-nos por dentro terá algumas desvantagens: da devassa da sua visão resultará a nossa indefesa exposição. Por lá, nos lugares mais altos, ela encontrará apenas alguns dos Homens. Certo e sabido.

 

Não pretendo mostrar-vos um libelo acusatório dos encarregados de educação. Elevo-os à categoria dos belos, mesmo sabendo que podem tornar-se terríveis e capazes de nos destruir.

 

Opina-se com ligeireza sobre o valor da escola. Não lhe elevam a importância. Acolhem-se nela quando os argumentos estão aflitos de razão.

 

Pensar que a relação destas duas entidades - a escola e os encarregados de educação - se esgota nos mecanismos formais existentes, é de uma inverdade comprovada. É uma relação cheia de mistérios não explicados e convenientemente imergidos. É feita de matéria nem sempre estéril, composta de duras, e mútuas, acusações. Mais do que erradicar a exclusão escolar, pede-se à escola a tarefa de eliminar a exclusão educativa.

 

Continua certo que o índice socio-económico das famílias representa o princípio dos obstáculos. São certas as desvantagens das crianças mais pobres de riquezas materiais. Mas a escola vê, com clareza e no amargo jejum, muito para além desse mensurável indicador. E importa falar-vos dessas outras confidências.

 

Falam-nos, com um carácter quase decisivo, das insuficiências familiares no acesso aos bens culturais. Segredam-nos, com temeridade, da importância da distância que os jovens percorrerem entre a escola e a habitação. Quase que desistem quando falam dos problemas relacionados com os filhos dos anjos em queda. Requerem-se soluções de longo prazo. Confidenciam-nos, no entanto, a vivência de momentos de impaciência e mesmo de alguma incredulidade: beliscam-se muito quando observam uma refeição familiar com a comunicação permanentemente ocupada pela tal caixa que mudou o mundo; entristecem-se quando vêem o seu jovem aluno confrontado com a impossibilidade do diálogo por falta de tempo, que é sempre uma outra maneira de dizer: por falta de vontade.

 

Renovam-se de esperança quando se confrontam com as inúmeras presenças dos encarregados de educação. São legiões de gente que ama de verdade e que está sempre sobrevoando. Que aparece, mesmo quando a atmosfera de emancipação juvenil não o aconselha. Que fala aos jovens. Que os questiona. Que os aborrece. Que lhes diz que não, para que aprendam a fazer o mesmo. E desses, mais ricos ou mais pobres, nota-se a sua permanente presença na escola com a uma doce aura de invisibilidade. Não, os belos anjos nem sempre são terríveis.

 

 

(Reescrito. 2ª edição. Texto publicado numa revista da especialidade na entrada deste milénio)