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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

sem surpresa

08.03.10

 

 

Foi daqui

 

 

 

Lideranças e modelos de gestão têm, com quase toda a certeza, uma correlação que nos levará a encolher os ombros. Dito por outras palavras: quem lidera é capaz de o fazer em qualquer modelo, não há solução organizacional que faça o milagre da "multiplicação dos pães" e o líder escolar ou estimula o exercício das outras lideranças ou não existe.

 

E quais são as condições para que alguém se afirme numa liderança? Sabe-se muito pouco sobre o assunto. Para além disso, o reconhecimento das lideranças não está apenas registado nos indicadores que normalmente se medem mas no coração e no sentimento das instituições.

 

Haverá qualquer indicação genética dos ditos factores de personalidade e dos inúmeros modos de medir a inteligência. Haverá, seguramente, factores ambientais relacionados com a educação de cada ser e existirá uma dose insubstituível relacionada com a preparação para o cargo, com a vontade e com a capacidade em cumprir um projecto e com o reconhecimento e a aceitação dos outros.

 

Vou lendo uma ou outra opinião que manifesta estupefacção com a necessidade de se produzirem alterações no modelo de gestão em curso. O argumento mais usual prende-se com a saturação das mudanças sucessivas. É compreensível. Estamos cansados de tanta e apressada alteração.

 

Mas não foi também com essa saturação que se derrubou a injusta divisão na categoria dos professores ou o inferno burocrático da avaliação? E quais foram os argumentos favoráveis à mudança de 2009 no modelo de gestão escolar? O único conhecido é o que inscreve o combate à indisciplina. Um logro, como se adivinhava. Todos os estudos conhecidos apontavam em sentido contrário ao que se alterou, salvaguardando-se até o caderno eleitoral para a escolha do director que justifica uma composição muito mais alargada que a actual.

 

Há, todavia, várias questões que devem ser muito discutidas e que nunca o foram. Se muitas vezes o modelo que se segue é o empresarial, a categoria de liderança forte associada a uma hierarquia rígida e à nomeação sem eleição das lideranças intermédias é a mais repetida.

 

Ora nada disso é viável em ambiente escolar onde o topo da pirâmide é a sala de aula que é um espaço onde a categoria liderança se tem de exercer às centenas por hora. Também não é viável no processo de agrupamento de escolas em que cada um dos estabelecimentos de ensino necessita de uma coordenação legitimada e com autoridade democrática. Esta dispersão de exercício da autoridade não tem paralelo com o denominado modelo empresarial. E mais: se, por acaso, o topo da hierarquia escolar é ocupado por quem não reúne argumentos de liderança, o caos anuncia-se e os resultados podem ser desastrosos, facto que no regime colegial podia ser não só atenuado como mobilizador da ideia de cooperação.

 

Andamos ao arrepio da História e perdemos a ideia de possibilidade e de utopia. Também por isso republiquei esta entrevista, onde remeti para a escola uma indelével função: "A cultura da escola é a cultura permanente da exigência, da finalidade e da regra mas também do afecto, da amizade e do drama."

condição

08.03.10

 

 

 

Foi daqui

 

 

 

O meu texto que pode ler de seguida foi publicado numa revista da Porto Editora, a "Risco", algures no início do milénio. Republico-o no dia que se consagrou chamar de dia da mulher.

 

 

Pé na lua.

 

É uma história que atravessa o tempo, com três personagens do século passado e seguramente, (só pode ser), com o mesmo código genético. A avó, a sua filha e a neta. A avó nasceu em vinte e oito, a sua filha em cinquenta e nove e a neta em oitenta e seis. Apesar disso, o destino reservou-lhes as mesmas surpresas, traçou-lhes os mesmos obstáculos e, por mais incrível que pareça, em idades iguais.

 

A avó, influenciada pelo imaginário das conversas dos adultos do seu tempo sobre as primeiras corridas de bicicleta para ciclistas masculinos, tinha um sonho quase obsessivo: vestir um par de calças e pedalar numa bicicleta de verdade. Ora, que coisa mais avançada. No Natal dos seus cinco anos, e apesar do mesmo pedido que seu irmão - uma bicicleta de verdade - apenas ele foi contemplado. A avó, o melhor que conseguiu foi um conjunto para o ponto cruz, com a agravante da indústria dessas coisas para as crianças ainda ser incipiente, e, portanto, o dedal era enorme e as picadelas das agulhas inevitáveis.

 

Todavia, a sua filha, está mais que visto, desde logo se transformou numa ciclista de corpo inteiro. Contra ventos e marés, convém que conste. Mas há sempre um mas, que raio. Pois a sua filha, apesar dos seus quatro anos, não entendia porque é que a bicicleta do irmão tinha um quadro em forma de triângulo e o dela não. É que ambos vestiam um par de calções, comprados até na mesma loja de roupas para crianças, embora a cor... mas já lá vamos. Vivia-se então a época da primeiras emissões televisivas e os campeonatos de hóquei em patins preenchiam o imaginário das glórias lusitanas. Foi com o espanto de todos que a filha, então com cinco anos, pediu no Natal, "imitando" o irmão, o mesmo equipamento completo da selecção nacional do dito jogo. Que momento. Conseguiu receber um par de patins com uma bota muito branca mas para um pé 36 (era dar às crianças algo que só usariam quando dominassem a razão) acompanhado de um vestido de cor rosa, cheio de folhos, cópia literal dos usados pelas meninas patinadoras que abrilhantavam os invisíveis cinco minutos dos intervalos dos jogos. Foi parar ao sótão onde ficou para a eternidade.

 

Claro que a neta cedo patinou, de camisola rosa ou azul era indiferente. Bicicletas, teve sempre e mais que uma. Os tempos eram outros, tanto mudava a fralda das bonecas ou brincava às cozinhas com os meninos amigos, como se juntavam para dar uns pontapés na bola. Tudo estava já assumido. Para a neta, as tarefas domésticas, os passeios de carro e todas essas coisas tanto eram feitas com o pai como com a mãe. Mas, (não disse já que há sempre um mas), também vos digo que talvez ou ainda bem.

 

Era agora o tempo das conversas intermináveis sobre os jogos de futebol. E como o código genético se manteve acordado eis que a neta começa a sonhar, até porque parece que tinha um certo jeito, pela prática é claro, nada de mais portanto; mas dizia, começa a sonhar em poder jogar umas futeboladas na escola com os amigos rapazes, e quem sabe, um dia jogar num estádio verdadeiro com um equipamento verdadeiro. Então, tinha a neta os seus cinco anos, estava no último ano do jardim de infância e surge a primeira oportunidade de concretizar o seu sonho. A "educadora" da turma decide que na festa de final de ano a turma da neta iria fazer um jogo de futebol entre as crianças e os pais. Ideia brilhante. Deixou todos em polvorosa. A noite anterior foi para a neta interminável. No dia grande, tal festa de natal já nossa conhecida, a "educadora" toma a sábia decisão – os rapazes, e só os rapazes, formariam a equipa, as raparigas seriam a "claque". Nem conto mais. Digo-vos só, que as encontrei num mês de Maio de 1999, as três, a avó a sua filha e a neta, sentadas num mesmo sofá. Estavam com um sorriso com tanto de bonito como de indescritível e viam um jogo na televisão. Era a final do campeonato do mundo de futebol feminino. Percebi tudo num instante. É certo que a neta não jogava, mas também quando o Neil Armstrong pôs o primeiro pé na lua não fomos todos que o fizemos?