das bandeiras/parte I
(Este texto foi escrito em Junho de 2004. Resolvi reescrevê-lo e reeditá-lo. Talvez se percebam as razões).
Foi hoje o caso. Lembrei-me do meu serviço militar. Vinte e poucos anos, muito poucos mesmo: tinha zero tiros no meu currículo. De uma hora para a outra rapam-me os caracóis, enchem-me de fardas e de sei lá mais o quê e dizem-me: vais ser comando. A honra suprema de um jovem português. Chamavam-me de Prudêncio, o meu último nome, coisa que até aí me parecia exclusivo do meu pai. Fui obrigado a fazer uma tropa de voluntários com detalhes engraçados: perguntavam-me: - és voluntário?; respondia: - não. Mas nos papéis punham a cruz no sim e quando mais refilasse pior: aprendi rápido e sentenciei: - se tem de ser, vamos a isso.
Depois foi aquilo que se sabe. Mesmo com uma estrela aos ombros, já que ali éramos todos iguais, valha-lhes isso, a dureza e a brutalidade diárias sucederam-se até o horror se instalar. Lembro-me, entre tantas outras coisas horrendas, de saborear um naco de pão duro barrado com pelos da barba e sangue. Ou então, de me deitar em terrenos cravejados de balas que tinham acabado de cair. Violência acumulada em meses e meses sem fim. Valeu-me a ausência da guerra. Não sei o que faria dos inimigos.
Como eu quero compreender os jovens que lutam no Iraque. Humanos que são, jamais quererão ouvir o nome do palco do único e infeliz dos teatros: o das operações militares.
Da parte que me toca, nunca mais "perdoarei", nem à Amadora nem a Santa Margarida, pelo facto de terem sido os solos dos meus horrores.