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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

das bandeiras/parte I

01.11.09, Paulo Prudêncio
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(Este texto foi escrito em Junho de 2004. Resolvi reescrevê-lo e reeditá-lo. Talvez se percebam as razões).

 

 

 

Passei uma tarde encantadora. Foi um descanso merecido para um corpo que vai aturando maçaduras diversas. O dia solarengo ajudou, a cadeira de jardim encorpou-se de vez e as leituras estavam a condizer. Se a perfeição existe eu estive lá perto. Foram momentos de um prazer indizível. Argumentei-me em cadeia e fiz sínteses que me elevaram as motivações. Tenho tardes assim. Mas hoje, uma das leituras fez-me viajar para muito longe das letras que os meus olhos percorriam. Até vos vou citar o parágrafo, não agora, mas talvez só na segunda parte desta história. Fiz uma visita à minha memória. Um dos meus exercícios predilectos, pois não obedece a muitas formalidades nem aos necessários - para outros tipos de visitas, é claro - pormenores protocolares. A meu gosto. Entro por ali adentro, pesquiso à minha vontade e o tempo que eu quiser, realço o que mais me interessa, embora, e vezes sem conta, tropece em acontecimentos menos agradáveis.

Foi hoje o caso. Lembrei-me do meu serviço militar. Vinte e poucos anos, muito poucos mesmo: tinha zero tiros no meu currículo. De uma hora para a outra rapam-me os caracóis, enchem-me de fardas e de sei lá mais o quê e dizem-me: vais ser comando. A honra suprema de um jovem português. Chamavam-me de Prudêncio, o meu último nome, coisa que até aí me parecia exclusivo do meu pai. Fui obrigado a fazer uma tropa de voluntários com detalhes engraçados: perguntavam-me:  - és voluntário?; respondia: - não. Mas nos papéis punham a cruz no sim e quando mais refilasse pior: aprendi rápido e sentenciei:  - se tem de ser, vamos a isso.

Depois foi aquilo que se sabe. Mesmo com uma estrela aos ombros, já que ali éramos todos iguais, valha-lhes isso, –a dureza e a brutalidade diárias sucederam-se até o horror se instalar. Lembro-me, entre tantas outras coisas horrendas, de saborear um naco de pão duro barrado com pelos da barba e sangue. Ou então, de me deitar em terrenos cravejados de balas que tinham acabado de cair. Violência acumulada em meses e meses sem fim. Valeu-me a ausência da guerra. Não sei o que faria dos “inimigos”.

Como eu quero compreender os jovens que lutam no Iraque. Humanos que são, jamais quererão ouvir o nome do palco do único e infeliz dos teatros: o das operações militares.

Da parte que me toca, nunca mais "perdoarei", nem à Amadora nem a Santa Margarida, pelo facto de terem sido os solos dos meus horrores.

das bandeiras/parte II

01.11.09, Paulo Prudêncio
 

 

Sempre me confundiu a ideia de pátria. Um mal ou um bem necessário? Será que os homens têm sempre que encontrar um meio que os divida? Ou será uma necessária ideia de aglutinação? Seria possível a ideia de rebelião sem a ideia de pátria? Nunca fui capaz de querer mais a alguém em função da sua pátria de nascimento ou de adopção. Nunca me pareceu superlativo.
 
Isto pode parecer ingenuidade, eu sei, pode parecer um total desconhecimento da natureza humana, eu sei, mas eu também sei que não consigo passar sem o sonho de um mundo sem fronteiras. Já conhecem a retórica. Isto vem a propósito da proliferação de bandeiras neste momento de ascese futebolística: a coisa eterniza-se e inunda a paisagem portuguesa.

Qual é o verdadeiro significado de tudo isto? Ouço dizer que os povos verdadeiramente orgulhosos (britânicos, franceses, alemães, norte-americanos, etc) cultivam o hábito. Que seja. Chegados a este ponto, não resisto a citar-vos o parágrafo de uma das minhas leituras, –o tal que referi na parte I:
 
Parece que certas realidades transcendentes emitem em torno de si radiações a que a multidão é sensível.
É assim que, por exemplo, quando se dá um acontecimento, quando na fronteira está um exército em perigo ou derrotado, ou vitorioso, as notícias bastante nebulosas que dele chegam e de que o homem culto não sabe retirar grande coisa, provocam na multidão uma emoção que o surpreende e na qual, depois de os especialistas o terem posto ao corrente de verdadeira situação militar, ele reconhece a percepção pelo povo daquela “aura” que rodeia os grande acontecimentos e que pode ser visível a centenas de quilómetros”".
 
O que será que está para acontecer?
 

insistência

01.11.09, Paulo Prudêncio

 

Foi daqui. 

 

 

 

Existimos num turbilhão veloz e inaudito, em que não há lugar, nem para projectos radicalmente novos - só por vaidade, como bem diz Gonçalo M. Tavares - nem para o extermínio do que existe. 

Sobram as boas ideias - com princípio, meio e fim -, a incessante inovação como resultado do saber, do conhecimento, do estudo, da dedicação e do esforço. Sobra a antecipação e a organização. 

E sobra a ética, mas a ética na leitura de Peter Singer: a ética só é boa se for verificada no exemplo de cada dia.

E o resto? "Tudo o que é sólido se dissolve no ar ".