No início de 2008, e considerando as minhas circunstâncias pessoais e aquilo que já se sabia no campo dos sistema escolar, iniciei um estudo detalhado do modelo de avaliação do desempenho dos professores e cheguei a algumas conclusões.
Como ponto prévio, considerei que foram os professores conseguiram abalar o carácter descomunal da coisa e trazê-la para o terreno com a racionalidade possível. Basta pensar em tudo o que se disse e não considerar apenas os desígnios da propaganda.
A escolha da imagem que acompanha esta publicação foi intencional e faço dela uma leitura que, todavia, pode ferir o seu rigor conceptual: onde se lê tempo pode ler-se "ensino e aprendizagem"; é o único vector que tem só um sentido, o que, digamos, faz todo o sentido e desculpem a propositada redundância, e que vai até ao infinito.
Isto dito assim não lavava a nada. Mas se vos disser que associei os 4 vectores da imagem às 4 dimensões consideradas na avaliação do desempenho, a coisa começava a ter alguma inteligibilidade.
Depois de relembrar as dimensões consideradas,
- Dimensão social e ética (pode ser o vector 1 da imagem);
- Dimensão de participação na escola e relação com a comunidade (pode ser o vector 2 da imagem);
- Dimensão de desenvolvimento profissional (pode ser o vector 3 da imagem);
- Dimensão do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem ( é o vector 4 da imagem, o único que realmente deveria interessar).
reafirmei, para que ficasse bem claro, o seguinte: o modelo deveria ter sido reduzido a uma dimensão (a do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem) e as restantes 3, por onde também passava o exercício profissional dos professores, evidentemente, obedeceriam apenas a uma avaliação (interna e externa) inserida no desempenho da organização escolar.
Para uma boa comunicação à volta da avaliação do desempenho dos professores, importava precisar, ao contrário de quem construiu o modelo, uma só taxonomia na definição e hierarquização de patamares.
Vejamos, então, como o modelo se estruturava:
- as 4 dimensões dividiam-se, cada uma delas, em 4 ou 5 elementos (de 16 a 20 elementos na globalidade);
- os elementos dividiam-se, cada um deles, em 4 ou 5 indicadores (de 64 a 100 indicadores na globalidade);
- os indicadores que, e entretanto, eram, cada um deles, descritos em dois tipos de escalas:
- por descritores (4 ou 5 - de 320 a 500 descritores na globalidade);
- ou por listas de verificação com dois níveis (cumpre ou não cumpre o respectivo indicador - de 128 a 200 referenciais na globalidade).
- se a falta de sensatez obrigava a cumprir o espírito da coisa, os 100 indicadores poderiam desdobrar-se em 10 descritores para cada um (um descritor para a pontuação 10, outro para a 9, outro para a 8, e por aí adiante), o que daria qualquer coisa como 1000 descritores na globalidade,
O ministério da Educação definiu a redacção dos 3 primeiros patamares (dimensões, elementos e indicadores) e deixou o exercício dos descritores para as escolas. Pudera: passou a batata quente, digamos assim.
Com esta latitude toda, e com estas dimensões todas, a coisa só podia correr muito mal. Foi o que se viu.
Soube-se, pela voz de um dos secretários de estado e como se os mais avisados não tivessem logo percebido, que a coisa relacionava-se, e relaciona-se, exclusivamente com economia de custos. A ser assim, importava que cada professor no final do ciclo em que era avaliado obtivesse uma pontuação de 1 a 10 pontos que seria transposta para uma escala qualitativa com as tais categorias de bom, muito bom e por aí adiante como referia, e ainda refere, o diploma respectivo.
Como se chegava lá, à pontuação, claro, ficava ao critério de cada escola, desde que não se afastasse assim muito da monstruosidade.
Vamos então detalhar a pontuação. Era mais racional usar a média aritmética do que os somatórios na obtenção, patamar a patamar, da necessária classificação.
Tínhamos o seguinte:
- A pontuação final na avaliação de cada um dos professores, de 1 a 10 pontos, seria a média aritmética do conjunto das dimensões;
- A pontuação nas dimensões seria, de 1 a 10 pontos, obtida pela média aritmética do conjunto dos seus elementos;
- A pontuação em cada um dos elementos seria de 1 a 10 pontos e resultaria da média aritmética dos respectivos indicadores onde o professor obteria uma pontuação de 1 a 10 em cada um deles;
- A pontuação nos indicadores, de 1 a 10 pontos, é que podia não ser tão linear. Podia optar-se por descritores ou por listas de verificação. Se a opção fosse a primeira, importava atribuir uma pontuação hierarquizada a cada descritor numa escala de 1 a 10 pontos; se a opção fosse a segunda, era suficiente atribuir dois valores de amplitude máxima para os dois patamares da escala (o que tornava a coisa de uma perversidade sem limites).
Ufa!! que mesmo tentando reduzir, isto repetia-se.
Considerei, a exemplo do que acontece, e mesmo que não acontecesse, nos mais diversos sistemas conhecidos, que a avaliação do desempenho se devia centrar na ideia de melhorar o exercício profissional dos professores e que, por via disso, procurasse na actividade lectiva as variáveis que o podiam ajudar. Era isso que interessava e tudo o resto deveria ficar ao bloco da organização escolar e às respectivas auditorias internas e externas, como já foi referido.
A alteração proposta pelo governo - em conselho de ministros extraordinário, pasme-se com a descomunalidade da coisa - de eliminar um dos 100 indicadores (o que se refere aos resultados escolares dos alunos na dimensão 2) era apenas uma tentativa salvífica da coisa e para consumo mediático. Do estudo concluiu-se o seguinte: todos os 100 indicadores necessitavam de um estudo aturado de modo a eliminar os naturais níveis de subjectividade e isso era completamente inexequível.
Tomemos o seguinte exemplo:
- Avaliação no indicador (1 entre 100, repito) que remete para a participação do professor em reuniões: como é que se deve construir os descitores? Para a pontuação 10, por exemplo, determina-se o quê e como? E como é que o avaliador operacionaliza o seu registo? Vai com os avaliados a todas as suas reuniões?
Na dimensão mais significativa, a do ensino e da aprendizagem, havia questões prévias por resolver. Desde logo a questão dos titulares, que resultou de um concurso apressado, displicente e que criou brutais injustiças, e o problema das cotas e das vagas.
Da observação das 3 aulas por ciclo importa, nesta altura, dizer o seguinte: 3 ou 2 observações é desprezível; a proposta do governo de obrigar uma candidatura a este exercício implicar o preenchimento de cotas, é, desde logo, um dado que indica o desconhecimento do modelo por parte de quem o propõe.
Nas restantes três, e para além do que já escrevi, havia dados, como os da frequência de acções de formação e da assiduidade que deveriam ter uma latitude bem definida e inscrita na lei mas que, e muito naturalmente, não podiam ser avaliadas com rigor num modelo desta natureza.
De uma coisa podemos estar seguros: teria sido mais avisado o governo ter retirado o diploma e construir outro onde ficasse bem preciso a latitude da redução tão propalada. Era o mínimo que se exigia: a arrogância e o desrespeito não merecem nenhuma consideração.
Escusei-me a fazer alguma referência à normalização de portefólios, de planificações, de estruturas de plano de aula e dos afins. Isso deveria ficar ao critério de mais de uma centena de milhar de avaliados, aos respectivos avaliadores e aos departamentos curriculares. Era completamente insensato e desprovido de racionalidade estabelecer o que quer que seja nesse domínio.
(Reedição. 1ª edição em 23 de Novembro de 2008. A oportunidade da reedição teve em consideração o facto do modelo de avaliação das escolas cooperativas ser muito parecido com o monstro burocrático que foi a primeira versão apresentada pelo primeiro governo de Sócrates. É evidente que a natureza precária da maioria dos vínculos dos professores das cooperativas, a ausência de quotas e o conhecido faz de conta no preenchimento de cruz de grande parte das grelhas proporciona um quadro incomparável com o que se passa nas escolas públicas no caso de se continuar a propalar o dito rigor. Vamos apreciar o verdadeiro atoleiro em que ficam os partidos políticos todos - com excepção do CDS, claro, e por mero oportunismo - e os sindicatos de professores se a solução recair na aplicação transitória do modelo das escolas particulares e cooperativas.)