Foi daqui.
Gosto da rua. Satisfaz-me a ideia de passear nos mais diversos sítios e tenho pelo espaço onde nos movimentamos o maior dos apreços.
Assisti a muitos movimentos de rua e acredito na validade desse tipo de manifestação de vontades. Mas já não sou muito dado a grandes aglomerações de pessoas em recintos fechados, sejam concertos musicais ou espectáculos desportivos.
Feita esta declaração de interesses, vamos então à ideia que me trouxe aqui.
Sou professor e pai. São cerca de três o número de dezenas de anos que preenchem, de modo consecutivo, a minha vida profissional.
Exerci quase todas as funções que um professor pode exercer numa escola. Tenho a seguinte certeza: nas 12 cidades de Portugal onde fui professor, conheci encarregados de educação para todos os gostos e feitios. Guardo da relação com os encarregados de educação dos meus alunos, directos e indirectos, a melhor das recordações.
E para que isso fosse assim, houve sempre um princípio que todos respeitámos: o professor é o profissional, o que sabe do seu ofício e da organização do espaço onde o ensino acontece, e os encarregados de educação educam do melhor modo que são capazes.
Com o novo modelo de gestão escolar que se avizinha(va), começo a verificar sinais que indicam que algo de grave se poderá vir a passar: qualquer coisa que rapidamente se chamará de "estado de direito na rua". Assim mesmo.
Escolas invadidas por propósitos desqualificados, desqualificantes e efémeros. Não vale a pena estarmos com eufemismos: está criado na sociedade portuguesa um ambiente contrário ao exercício profissional dos professores. É evidente que continuarão a existir encarregados de educação bem formados, claro que sim. Mas o ambiente que se está gerar é propício aos maiores desmandos.
E mais: está em causa o exercício de autoridade por parte das escolas e dos professores. Se, como muitos consideram, é na família que se realiza grande parte do exercício afectivo das crianças e jovens, é na escola que o lado racional mais se afirma. A escola representa uma espaço que se situa entre o público e o privado. E só isto dava pano para mangas, porque as latitudes do afirmado não têm fronteiras tão definidas assim.
Esta ideia de trazer a família para o exercício do poder nas escolas pode ter efeitos desastrosos. A ser assim, as crianças e os jovens podem confundir os papéis e com isso alargarem aos dois espaços a componente menos racional e com isso verem diluir-se o exercício de autoridade necessário à formação da sua personalidade: a formação desta, com muitos também afirmam, apoia-se na sua própria negação.
Os mais avisados têm bem presente o que aconteceu com a hegemonia das "teses rogerianas" (Carl Rogers), onde o primado da relação empática entre professores e alunos se tornou um desígnio primeiro: entrava-se na sala de aula e não se sabia onde estava o professor.
Os professores necessitam de recuperar o espaço para ensinar. E que ninguém se iluda: se o caminho a percorrer tiver este sentido único, todos vão perder: os alunos, os seus encarregados de educação e os professores. E, como muitos afirmam, a médio prazo também a própria democracia.
(1ª edição em 13 de Julho de 2008)