Foi daqui.
"Agora que se aproximam eleições legislativas, vale a pena interrogarmo-nos sobre quais são os nossos principais problemas. Se o fizermos, será inevitável a conclusão de que uma das questões que mais nos devem preocupar é a enorme disparidade de rendimentos que persiste entre os mais ricos e os mais pobres. Somos um país de enormes contrastes sociais e há fortes indícios de que a recente crise económica internacional (que se soma à crónica crise nacional) veio aumentar ainda mais o desnível entre os grupos sociais com mais e menos rendimentos.
Um livro recente publicado na Grã-Bretanha - The Spirit Level: Why More Equal Societies Almost Always Do Better (Allen Lane, 2009), de Richard Wilkinson e Kate Pickett, epidemiologistas das universidades de Nottingham e de York, respectivamente - veio chamar a atenção para a relevância desse indicador. Dentro de um grupo de 20 países desenvolvidos, Portugal aparece no topo da escala da desigualdade, entre o Reino Unido e os Estados Unidos (neste último, a desigualdade social ainda é maior do que entre nós, mostrando que se pode ser um país rico e, ao mesmo tempo, ter a riqueza distribuída de uma forma muito assimétrica). Do outro lado, no fundo da escala da desigualdade, encontram-se o Japão e os países nórdicos, como a Suécia e a Noruega. Não há, porém, razões para estarmos satisfeitos com a companhia em que estamos. Aqueles autores, baseados num cuidadoso estudo estatístico de uma série de índices, chamam a atenção para o facto de ser nos países onde há maior desigualdade de rendimentos que há também mais problemas sociais e de saúde, designadamente maiores taxas de criminalidade, de obesidade, de doenças mentais, de gravidez na adolescência, de insucesso escolar, etc.: os vários indicadores relativos à incidência desse tipo de maleitas estão bem correlacionados com a desigualdade social. Claro que correlação não implica uma relação de causa-efeito, mas Wilkinson e Pickett dizem-nos que essa desigualdade coloca um país sob uma grande tensão, gerando dificuldades acrescidas para todos: não são só os pobres, que sofrem sempre com o seu estado de marginalidade social, mas é também o resto da população de um país - classe média e ricos - que fica pior. Como resume o subtítuto: Sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor.
O jornal The Guardian de 13 de Março, num artigo sobre desigualdade social suscitado pela publicação do referido livro, chama a Portugal e Espanha um "par estranho", por serem "países com muitas semelhanças culturais e paralelos nas suas histórias recentes - ambos se tornaram democracias nos anos 70 após a queda de regimes autoritários". Mas, nota o jornal,"a Espanha está a meio da tabela da desigualdade, enquanto Portugal está quase no cimo", registando-se aqui "muitos mais problemas sociais".
Haverá esperança de que esta situação mude, a oeste da península, com as próximas eleições? O depósito do voto na urna deveria ser sempre um acto de esperança. Mas, faltando um mês para o sufrágio, não parece que esse venha a ser o sentimento dominante. Por um lado, pode-se pensar que, dos dois maiores partidos, o Partido Socialista, em princípio mais à esquerda, seja mais sensível às questões tão prementes das desigualdades sociais. Mas, por outro lado, a sua política no sector da educação, aquele onde a sociedade, com maior eficácia, pode concentrar esforços no sentido do seu nivelamento, tem-se revelado desastrosa. A escola portuguesa actual não constitui para os pobres um meio seguro e expedito de promoção social. De facto, na ausência de uma escola pública qualificada e exigente os ricos conseguem encontrar alternativas, ao passo que os pobres estão condenados à exclusão. Seja qual for o partido que ganhe as eleições (aliás ganhar pode, a curto ou médio prazo, significar perder), muitos eleitores receiam que se venha a aplicar mais uma vez a famosa frase de Giuseppe di Lampedusa, o escritor italiano autor de O Leopardo: "Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude."
Carlos Fiolhais.
Professor.