lugar ermo (não o da memória) (reedição)
Não me canso de associar a situação actual dos professores portugueses à condição que Rainer Rilke submeteu a condição humana: "estamos irremediavelmente sós".
Bem sei que têm aparecido vozes de encosto: umas mais tardias do que outras, é certo. Mas têm surgido. Nunca me emociono muito com esses arrimos: sei que - e muito naturalmente, diga-se - quem não conhece verdadeiramente as questões técnicas do problema dificilmente pode assumir uma posição consistente de apoio.
Os apoiantes do governo é que não se regem pelos mesmo parâmetros: mesmo com o mais completo desconhecimento da realidade, são activos e raramente desistem. Percebe-se as razões.
Ontem vi o actual presidente da câmara do Porto, militante do PSD, afirmar o seguinte: "os professores têm toda a razão, mas agora começam a ser um bocado intransigentes". Não se referiu aos motivos que o levou a mudar de opinião. Talvez nem ele saiba muito bem a razão, mas o que é certo é que mudou de opinião.
Depois, ouço Manuel Alegre dizer que já não vota de modo favorável à suspensão do modelo de avaliação na Assembleia da República. Argumenta assim: "não quero ser instrumentalizado por quem apresenta a proposta". Não percebi. Antes votou favoravelmente um projecto do CDS (e a tal de instrumentalização? Não existia nessa altura?) mas agora já não o pode fazer. Pelos vistos vai ser seguido pelos restantes deputados do partido socialista. Entretanto, o actual primeiro-ministro convida militantes do partido socialista da "linha" de Manuel Alegre para o restrito grupo dos onze que vai redigir a sua moção a secretário-geral do partido socialista. E mais: anuncia que vai convidar o ex-candidato a presidente para as listas de deputados.
Já se sabe: a luta política obedece a alinhamentos vários. Os problemas concretos esboroam-se nesse ajustamento de posições.
Nós cá continuaremos para dizermos de nossa justiça. Sós, é certo, mas iluminados pela força dos argumentos e com a memória disponível para os mais diversos registos.
(Reedição. Primeira edição em 6 de Janeiro de 2009)