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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

culpados

05.01.09, Paulo Prudêncio

 

 

 

 

Vi a entrevista que o actual primeiro-ministro de Portugal deu ao canal de televisão "sic generalista". Estive com uma relativa atenção e despertei quando se tratou o tema da Educação. E o entrevistado foi claro:

 

"antes desta avaliação de professores as escolas viviam em paz e tranquilidade mas os alunos abandonavam os estabelecimentos de ensino".

 

É grave, é triste, é cruel, não é rigoroso e é de uma injustiça brutal. Não é preocupante que alguém diga uma coisa dessas, pois vivemos em democracia e felizmente as pessoas são livres de dizer o que bem entendem.

 

O que é grave é um primeiro-ministro pensar uma coisa dessas com tal convicção que se acolhe no argumento de que os seus antecessores todos só não diziam o mesmo porque disfarçavam o problema. Ou seja, os outros todos eram uma espécie de cobardes que se escondiam perante as dificuldades. Agora não: agora temos um corajoso iluminado: de uma penada e lá vai o abandono escolar através da alteração do processo de avaliação dos professores.

 

Já o escrevi por diversas vezes: o actual governo acreditou que o combate às taxas de abandono escolar que nos envergonham podia ser concretizado com o recurso quase exclusivo ao trabalho dos professores. E mais: deveria avaliar-se os professores pelo sucesso nesse combate. Com isso, e com outras medidas associadas, desresponsabilizou-se o resto da sociedade na luta contra esse flagelo nacional. É desastroso e brutalmente injusto.

 

Há estudos que indicam que cerca de 60% da responsabilidade no sucesso escolar dos alunos não depende da escola. E mesmo dos 40% sobrantes, só 10% é que dependem directamente dos professsores.

 

Percebeu-se o embaraço do primeiro-ministro quando falou das questões da Educação. Dá ideia que o ponteiro da culpa começa a mudar de posição.

 

como agir?

05.01.09, Paulo Prudêncio

 

 

 

 

Do modo como a luta dos professores está a decorrer, exige-se que ninguém queira ser avaliado por aquela coisa que o ministério da Educação inventou em tempos e que se tem metamorfoseado ao ritmo da música do percentil de imaginários eleitores. Só isso: não querer ser avaliado no presente ano lectivo.

 

Se todos agirem desse modo, em que até nem é necessário assinar qualquer papel, a única "penalização" situa-se no não acesso a um direito que existiu em tempos: a progressão na carreira.

 

Até nem é muito difícil decidir nesse sentido, já que se trata de abdicar de um direito perdido no tempo.

 

E lembrei-me do seguinte:

 

 

"(...) Suponhamos agora que começo a pensar eticamente, a ponto de reconhecer que os meus interesses, pelo simples facto de serem os meus, já não podem contar mais que os interesses alheios. Em lugar dos meus interesses, tenho agora de tomar em consideração os interesses de todas as pessoas que serão afectadas pela minha decisão. Isso exige que eu pondere todos esses interesses e adopte a acção que tenha maior probabilidade de maximizar os interesses do afectados (...)."

 

 

 

Peter Singer; Ética Prática; Gradiva 2000;

Tradução de Álvaro Augusto Fernandes;

pág. 29 

lista de compras

05.01.09, Paulo Prudêncio

 

 

 

 

 

Recebi por email um resumo com os procedimentos a desenvolver no âmbito da avaliação do desempenho dos professores.

 

Parece que quem publicou esta análise foi o jornal diário 24 horas. Não consegui confirmar. Do modo com as coisas estão, nada impediria que no próximo ano lectivo se caminhasse no sentido do que a seguir pode ler. E no presente ano, e em muitos dos casos, poderia acontecer o mesmo, 

 

Vale a pena uma leitura.

 

 

O Presidente do Conselho Executivo/Director, avalia:
- Assiduidade
- Grau de cumprimento do serviço distribuído
- Progresso dos resultados escolares dos alunos e redução das taxas de abandono tendo em conta o contexto socio-educativo
- Participação nas actividades da escola
- Acções de formação realizadas
- Exercício de outros cargos de natureza pedagógica
- Dinamização de projectos de investigação
- Apreciação dos encarregados de educação, desde que haja concordância do docente e nos termos a definir no regulamento da escola

O Coordenador do Departamento Curricular, avalia:

A qualidade científico-pedagógica do docente com base nos seguintes parâmetros
- Preparação e organização das actividades lectivas
- Realização das actividades lectivas
- Relação Pedagógica com os alunos
- Processo de avaliação das aprendizagens dos alunos

FASES DA AVALIAÇÃO
1.ª fase
Objectivos e indicadores

- O Conselho Pedagógico da escola define os seus objectivos quanto ao progresso dos resultados escolares e redução das taxas de abandono, que são elementos de referência para a avaliação dos docentes.
- O Conselho Pedagógico da escola elabora os instrumentos de registo de informação e indicadores de medida que considere relevantes para a avaliação de desempenho.

2.ª fase
Objectivos individuais

- No início de cada ciclo de avaliação de dois anos, o professor avaliado fixa os seus objectivos individuais, por acordo com os avaliadores, tendo por referência os seguintes itens:
- Melhoria dos resultados escolares dos alunos
- Redução do abandono escolar
- Prestação de apoio à aprendizagem dos alunos incluindo aqueles com dificuldade de aprendizagem
- Participação nas estruturas de orientação educativa e dos órgãos de gestão da escola
- Relação com a comunidade;
- Formação contínua adequada ao cumprimento de um plano individual de desenvolvimento profissional do docente.
- Participação e dinamização de projectos
Nota: Na falta de acordo quanto aos objectivos prevalece a posição dos avaliadores

3.ª fase
Aulas observadas

- O coordenador de departamento curricular observa, pelo menos, três aulas do docente avaliado em cada ano escolar.
- O avaliado tem de entregar um plano de cada aula e um portfólio ou dossiê com as actividades desenvolvidas

4.ª fase
Auto-avaliação

- O professor avaliado preenche uma ficha de auto-avaliação, onde explicita o seu contributo para o cumprimento dos objectivos individuais fixados, em particular os relativos à melhoria das notas dos alunos
- Os professores têm de responder nas fichas de auto-avaliação a 13 questões (pré-escolar) e 14 questões (restantes ciclos de ensino)

5.ª fase
Fichas de Avaliação
- O presidente do conselho executivo e o coordenador do departamento curricular preenchem fichas próprias definidas pelo Ministério da Educação, nas quais são ponderados os parâmetros classificativos.
- Os avaliadores têm de preencher uma ficha com 20 itens cada, por cada professor avaliado
- O coordenador do departamento curricular preenche uma ficha com 20 itens, por cada professor avaliado
- O presidente do conselho executivo tem de preencher uma ficha com 20 itens, por cada professor avaliado
- As pontuações de cada ficha são expressas numa escala de 1 a 10.

6.ª fase
Aplicação das quotas máximas

- Em cada escola há uma comissão de coordenação da avaliação de desempenho formada pelo presidente do Conselho Pedagógico e quatro professores titulares do mesmo órgão, ao qual cabe validar as propostas de avaliação de Excelente e Muito Bom, aplicando as quotas máximas disponíveis.

7.ª fase
Entrevista individual

- Os avaliadores dão conhecimento ao avaliado da sua proposta de avaliação, a qual é apreciada de forma conjunta.

8.ª fase
Reunião Conjunta dos Avaliadores

- Os avaliadores reúnem-se para atribuição da avaliação final após análise conjunta dos factores considerados para a avaliação e auto-avaliação. Seguidamente é dado conhecimento ao avaliado da sua avaliação.

SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO
- Excelente, de 9 a 10 valores
- Muito Bom, de 8 a 8,9
- Bom, de 6,5 a 7,9
- Regular, de 5 a 6,4
- Insuficiente, de 1 a 4,9

EFEITOS DAS CLASSIFICAÇÕES
- Excelente durante dois períodos seguidos de avaliação reduz em quatro anos tempo de serviço para ser professor titular
- Excelente e Muito bom reduz em três anos tempo de serviço para ser professor titular
- Dois Muito bom reduz em dois anos tempo de serviço para ser professor titular
- Bom não altera a normal progressão na carreira
- Regular ou Insuficiente implica a não contagem do período para progressão na carreira
- Dois Insuficiente seguidos ou três intercalados implica afastamento da docência e reclassificação profissional.

 

vamos a isso

04.01.09, Paulo Prudêncio

 

 

 

Saímos da época natalícia de alma rejuvenescida e preparados para os gestos mais dedicados no sentido da construção da harmonia entre os homens. Anima-nos sempre um conjunto de sentimentos de fraternidade com a ideia de caminhar de mãos dadas no sentido do progresso e da prosperidade.

 

Devo confessar que registei durante a época referida, julgo que mesmo na noite de 24 de Dezembro de 2008, intervenções televisivas de um dos secretário de estado da Educação: sempre naquele jeito meio provocatório e de quem tem a razão toda do seu lado. Mas não liguei. Era altura de festejar e de estar descansado: em paz e em família. Deixei uns post programados para o período de natal e só em Janeiro regressei aos meus escritos.

 

Recomeçei com uma pequena retrospectiva que intitulei de "devassados" e acrescento-lhe agora este "vamos a isso". "Vamos a isso" é apenas a reafirmação do óbvio: a luta dos professores está aí e a hora é de regressar ao combate com todas as forças que a razão nos ilumine.

 

E um dos motes que me levou a desenhar esta entrada deste modo foi mais uma intervenção mediática de um dos secretários de estado da Educação. Como pode ler-se por aqui, o senhor em causa ameaça de novo os professores, e fá-lo do seguinte modo: "O Ministério da Educação admite recuar nas propostas que fez aos professores caso os sindicatos do sector insistam em prosseguir com as greves agendadas".

 

Em causa está a abertura exponencial de 2300 vagas para professor titular e a possibilidade da avaliação não ser considerada nesse processo. Já nem sei que diga. Voltamos ao mesmo.

 

E das duas uma:

 

ou as pessoas que compõem esta equipa que governa o ministério da Educação não têm qualquer currículo de que se possam orgulhar no seu exercício profissional no âmbito do ensino básico e secundário e por isso continuam convictas que estão cheias de razão;

 

ou o governo, agora que perdeu a bandeira do défice orçamental uma vez que os grandes negócios espalharam-se e "exigiram" a subida em flecha da dívida pública, e não tendo mais nada a que se agarrar, quer alimentar a guerra com os professores com o convencimento que isso lhe garantirá popularidade ao centro e à direita numa altura em que até a cooperação estratégica com o presidente da República parece ter chegado ao fim (aqui assiste-se a um piscar de olho à esquerda: a tensão que o governo cria com o presidente é apenas ligeira e nunca conhecerá a ruptura).

 

Seja lá o que for, não me parece que os professores se deixem abater com facilidade. Estou até convencido do contrário: este tipo de atitude provocatória acerta em cheio: vamos a isso - passo a passo, batalha a batalha - e no fim faremos as contas.

 

 

devassados

02.01.09, Paulo Prudêncio

 

 

 

 

 

O estatuto profissional de um qualquer exercício não é um lugar vedado ao público: pelo contrário, deve ser garantido o escrutínio dos envolvimentos profissionais de todas as actividades, públicas ou privadas.

 

Dito isto, importa sublinhar a ligeira perplexidade que se apoderou do meu ser com os desenvolvimentos à volta do estatuto dos professores portugueses no ano que agora terminou: não imaginava que num país que não cuida devidamente das suas escolas, emergisse um sem-número, e dos mais variados quadrantes, de especialistas em avaliação de professores e que sobre a referida matéria nunca dissessem: "não, desculpe, mas não percebo desse assunto".

 

O tema era mote para os mais diversos fóruns e não havia debate ou noticiário, televisivo ou radiofónico, onde o assunto não fosse chamado à colação. Era-nos dada a rara oportunidade de assistir a um desfile de competentes e rigorosos portugueses, todos avaliados nas suas profissões até ao mais ínfimo dos detalhes. Observámos, incrédulos, o registo de uma casta numerosíssima que abrangia a totalidade dos profissionais conhecidos, com excepção dos 140.000 professores, sublinhe-se, que se manifestava estupefacta, e até indignada, com a falta de avaliação rigorosa no desempenho dos professores.

 

Um verdadeiro estudo de caso: afinal vivíamos num país com uma atmosfera muito profissional e muito competente, um país que respirava uma cultura de avaliação, e de rigor, nos mais diversos sectores da sociedade, e que apareceu, com uma veemente ferocidade, para afirmar um modo de ser que já se tinha generalizado durante anos, pasme-se, e que abria, naquela altura, a possibilidade de integrar os professores nessa costumeira nacional, digamos assim. Uma última possibilidade, segundo as palavras do primeiro-ministro da nação, ele próprio, ao que constava, um avaliado exemplar.

 

Mas o mais surpreendente aconteceu-me nos últimos dias de 2008: mais propriamente na noite de natal.

 

Fomos passar a quadra natalícia em casa de família e recebemos a visita inesperada de um familiar que reside na República da África do Sul, acompanhado da sua mulher e de um filho adolescente. Foi muito agradável. Conversámos muito sobre África: o meu primo tem pouco mais de 40 anos e nasceu em Moçambique.

 

A certa altura da noite, o meu primo - um comerciante que é também um interessado pintor nas horas vagas - começa a fazer-me perguntas sobre a avaliação dos professores. Nem queria acreditar. Uma segunda, ou terceira, geração de imigrantes portugueses, que está completamente enraizada na comunidade onde vive mas que se interessa pelo campeonato de futebol de Portugal de um modo muito mais entusiasmado que a grande maioria dos portugueses residentes no país luso, acompanha a saga entre os professores e o governo do partido socialista como se de jornadas do campeonato de futebol de tratasse.

 

E o meu primo até já sabia umas coisas valentes sobre a avaliação do desempenho: tinha a ideia que a ministra era uma mulher brava e corajosa e mais umas coisas do género; também sabia, vá lá, que o modelo era inexequível e excessivamente burocrático; tinha ficado com a noção de que a luta estava para durar e que se arrastava há tempo demasiado.

 

Falámos sobre o assunto uma boa meia-hora, foi suficiente.

 

Não restam dúvidas: em 2008, mas com uma actividade iniciada nos anos anteriores, os professores portugueses foram objecto de uma devassa da sua vida profissional como não há memória na convivência democrática portuguesa.

 

É sempre tempo dos professores continuarem o caminho que tanto lhes foi exigido: o processo de prestação de contas: 2009, por exemplo, será um belo ano para esse tipo de exercício.

 

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