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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

devassados

02.01.09, Paulo Prudêncio

 

 

 

 

 

O estatuto profissional de um qualquer exercício não é um lugar vedado ao público: pelo contrário, deve ser garantido o escrutínio dos envolvimentos profissionais de todas as actividades, públicas ou privadas.

 

Dito isto, importa sublinhar a ligeira perplexidade que se apoderou do meu ser com os desenvolvimentos à volta do estatuto dos professores portugueses no ano que agora terminou: não imaginava que num país que não cuida devidamente das suas escolas, emergisse um sem-número, e dos mais variados quadrantes, de especialistas em avaliação de professores e que sobre a referida matéria nunca dissessem: "não, desculpe, mas não percebo desse assunto".

 

O tema era mote para os mais diversos fóruns e não havia debate ou noticiário, televisivo ou radiofónico, onde o assunto não fosse chamado à colação. Era-nos dada a rara oportunidade de assistir a um desfile de competentes e rigorosos portugueses, todos avaliados nas suas profissões até ao mais ínfimo dos detalhes. Observámos, incrédulos, o registo de uma casta numerosíssima que abrangia a totalidade dos profissionais conhecidos, com excepção dos 140.000 professores, sublinhe-se, que se manifestava estupefacta, e até indignada, com a falta de avaliação rigorosa no desempenho dos professores.

 

Um verdadeiro estudo de caso: afinal vivíamos num país com uma atmosfera muito profissional e muito competente, um país que respirava uma cultura de avaliação, e de rigor, nos mais diversos sectores da sociedade, e que apareceu, com uma veemente ferocidade, para afirmar um modo de ser que já se tinha generalizado durante anos, pasme-se, e que abria, naquela altura, a possibilidade de integrar os professores nessa costumeira nacional, digamos assim. Uma última possibilidade, segundo as palavras do primeiro-ministro da nação, ele próprio, ao que constava, um avaliado exemplar.

 

Mas o mais surpreendente aconteceu-me nos últimos dias de 2008: mais propriamente na noite de natal.

 

Fomos passar a quadra natalícia em casa de família e recebemos a visita inesperada de um familiar que reside na República da África do Sul, acompanhado da sua mulher e de um filho adolescente. Foi muito agradável. Conversámos muito sobre África: o meu primo tem pouco mais de 40 anos e nasceu em Moçambique.

 

A certa altura da noite, o meu primo - um comerciante que é também um interessado pintor nas horas vagas - começa a fazer-me perguntas sobre a avaliação dos professores. Nem queria acreditar. Uma segunda, ou terceira, geração de imigrantes portugueses, que está completamente enraizada na comunidade onde vive mas que se interessa pelo campeonato de futebol de Portugal de um modo muito mais entusiasmado que a grande maioria dos portugueses residentes no país luso, acompanha a saga entre os professores e o governo do partido socialista como se de jornadas do campeonato de futebol de tratasse.

 

E o meu primo até já sabia umas coisas valentes sobre a avaliação do desempenho: tinha a ideia que a ministra era uma mulher brava e corajosa e mais umas coisas do género; também sabia, vá lá, que o modelo era inexequível e excessivamente burocrático; tinha ficado com a noção de que a luta estava para durar e que se arrastava há tempo demasiado.

 

Falámos sobre o assunto uma boa meia-hora, foi suficiente.

 

Não restam dúvidas: em 2008, mas com uma actividade iniciada nos anos anteriores, os professores portugueses foram objecto de uma devassa da sua vida profissional como não há memória na convivência democrática portuguesa.

 

É sempre tempo dos professores continuarem o caminho que tanto lhes foi exigido: o processo de prestação de contas: 2009, por exemplo, será um belo ano para esse tipo de exercício.