(imagem de uma obra de Niki Saint Phalle)
Assisti, ontem, dia 24 de Novembro de 2008, a mais uma grande produção televisiva, o programa de grande informação "prós e contras", sobre um dos temas do momento mediático: o falido modelo de avaliação do desempenho dos professores, uma espécie de "subpráime" das políticas educativas apressadas e polémicas, no mínimo, claro, (porque algumas provocaram mesmo brutais injustiças) de que o actual governo é mentor.
É já uma coisa quase descomunal esta teimosia, ia escrever patologia, governamental em continuar a considerar a possibilidade de seguir em a frente com esta doença. O problema arrasta-se e alguns dos detalhes do modelo já originaram, pasme-se, um conselho de ministro extraordinário. Rapidamente se concluiu que as três ou quatro ideias de tipo salvífico da coisa em nada resultaram e que se destinam, até, a aumentar o ruído ensurdecedor em que está mergulhada a escola pública portuguesa.
O tempo mediático é o que é, e estes programas acabam por frustrar os intervenientes e os seus apoiantes: os estruturais e os conjunturais. Procura-se aqui e ali a frase chave e enaltecesse-se a capacidade dos que conseguem desferir o golpe certeiro nos opositores, muitas vezes, apenas de circunstância. Veja-se, como exemplo, a satisfação dos professores com a prestação do presidente da confederação das associações de pais.
O senhor limitou-se a constatar o óbvio: "este modelo de avaliação está parado a todos os níveis". Como se sabe isso é muito pouco e, neste caso, parece-me apenas uma táctica de sobrevivência e um sinal daquela esperteza sobejamente conhecida: saltar do barco antes que ele se afunde e salvar as minhas medalhas mais emblemáticas: escola a tempo inteiro e gestão escolar.
A intervenção que me mereceu maior atenção foi a de Maria do Céu Roldão. A senhora professora teve o cuidado de pedir duas coisas: para que a ouvissem e que lhe dessem tempo.
Foi a única interveniente que se referiu ao modelo de um modo que revelou um conhecimento bem estruturado. E da sua intervenção ficaram claros dois aspectos: o muro de invenções técnico-pedagógicas em que se transformou o ministério da Educação carece de uma "implosão" e o modelo de avaliação do desempenho é, não só, inexequível como contém uma ideia de escola e do exercício do professor que está na génese de todo este conjunto de políticas educativas que pode ter efeitos devastadores para a escola pública.
Já escrevi muito sobre estes assuntos (quer sobre o muro de invenções técnico-pedagógicas que asfixiam o ensino em Portugal, quer sobre o estafado modelo de avaliação, o que pode ser encontrado noutras entradas deste blogue) mas quero polemizar, novamente, as duas questões que Maria do Céu Roldão fez tanta questão que se ouvisse com atenção:
- Nem me atrevo sequer a discutir o seu vasto currículo como formadora. A minha experiência nessa área resume-se às insignificantes trocas cooperativas informais. Mas há uma aspecto que importa salientar: as invenções técnico-pedagógicas que preenchem a formação de professores em Portugal e que contaminam o próprio ministério da Educação, não podem infectar as políticas de gestão e organização do sistema escolar: isso é desastroso, como se constata. Maria do Céu Roldão pode até ser uma excelente formadora, mas tem de conhecer a semântica que envolve a organização escolar, para perceber que isso não se consegue fazer do labirinto em que estão enredados os chamados "cientistas da educação";
- Maria do Céu Roldão colocou com ênfase a questão da 4 dimensões que integram o "perfil funcional" do professor segundo o modelo de avaliação. Fez questão de salientar a primazia da dimensão ensino e a importância da observação das aulas. Estamos absolutamente de acordo. Mas em relação às outras 3 dimensões (a da ética, a da formação ao longo da vida e a da relação com a escola e com a comunidade) é que a discordância é abissal.
Da intervenção de Maria do Céu Roldão reparei num detalhe primoroso: quando abordou a hierarquização do modelo, falou das 4 dimensões, passou de seguida para o segundo patamar, o dos domínios (que, como se sabe, outros autores falam de elementos), dizendo que podiam ser vinte, e... de seguida... meio atrapalhada... disse: "bem, a operacionalização ficou para..." não percebi bem, a professora não foi clara.
E porquê? Por que teria de referir o patamar seguinte, o da possibilidade dos 100 indicadores ou ainda o dos 900 descritores. Mas é sempre assim: quando os teóricos da técnico-pedagogia do ensino com este tipo de perfil se metem nos meandros da gestão e organização escolar, formulam, formulam e voltam a formular, mas depois deixam o "terreno" para os "operários" da educação. Um desastre.
Tenho salientado muito esta questão do perfil funcional e das 4 dimensões porque entendo que essa discussão é nuclear e pode ajudar a questionar o seguinte: no nosso país as desigualdades económicas e sociais são gritantes e provocam taxas de abandono escolar que nos envergonham.
Sabe-se que a escola, actuando de modo isolado, nunca resolverá esse problema. É uma questão mais vasta, da responsabilidade da comunidade educativa, portanto, de toda a sociedade. O que agora se tem feito, é propalar a necessidade de desenvolver e avaliar o espírito de "missão" na profissionalidade dos professores. Como se os professores não estivessem "cansados" de o identificar: não podem é ficar isolados nas causas e no desígnio de o conseguir.
O conjunto de políticas que este governo tenta impor na Educação, de modo a apressado e rotulado de "reformas" (o que garante desde logo o apoio mediático, mesmo por quem desconhece o conteúdo do que se propõe) está impregnado do seguinte: o abandono escolar resolve-se na escola e por isso temos de avaliar quem tem de actuar nesse sentido: os professores todos e nos anos todos. E esta decisão ajuda a explicar muitas outras (tipo de ocupação da componente não lectiva dos professores, ideia de que os professores trabalham pouco e só dão aulas, e enfim...) que mais não fazem do que desresponsabilizar a restante comunidade no combate ao referido abandono: até as famílias, quando se decide por um modelo de concepção centralizada de escola a tempo inteiro. O abandono escolar é algo tão grave, principalmente quando acontece nos primeiros anos de escolaridade, que é espantoso como ninguém presta contas: por exemplo, as autarquias e os seus serviços sociais e o poder central.
Se juntarmos a tudo isto a ideia de reduzir a todo o custo, e muito rapidamente, as despesas com os salários do professores encontramos uma explicação para o caos onde se chegou. Basta pensar no ECD e nas cotas e vagas da progressão na carreira.
É necessário repensar a escola pública. Se continuarmos por este caminho, de trazer tudo para dentro da escola e de lhe atribuir esta impossibilidade de funções, acontecerá o seguinte: as famílias endinheiradas colocarão os seu filhos no ensino privado e as escolas do estado serão um "armazém" desqualificado e desqualificante e a tempo inteiro. É o fim do ensino na escola pública.