gonçalo m. tavares
29.11.07, Paulo Prudêncio
Já confessei a minha grande admiração pelo pensamento, e pela escrita, de Gonçalo M. Tavares. Acabo de ler uma entrevista sua e não resisto a partilhar uma pequena parte.
- Os seus livros são políticos?
- Interessa-me a política. Não a política partidária, até porque cada vez mais o menos político são os partidos, transformados em associações de qualquer coisa que não tem a ver com o sentido político (de polis, cidade). Interessa-me a política para perceber como funciona o ser humano. Trata-se de gerir expectativas, ambições e violência. Quanto mais se conhecer os homens melhor político se será no seu sentido amplo.
- Onde estão esses políticos, que o cidadão não dá por eles?
- Os políticos que pertencem aos partidos são cada vez mais pessoas que percebem menos dos homens. É trágico. A política transformou-se numa aprendizagem do discurso, de argumentar e refutar a argumentação do outro. Transformou-se numa arte da palavra, da gestão da palavra e não das coisas, muito menos dos homens. Os políticos deviam ler mais e viver mais para perceber os homens. Não têm experiências, têm discursos.
- Mentir faz parte dessa arte?
- A arte do discurso político é a arte de dizer as coisas sem mentir explicitamente. É quase sempre a arte de não mentir dizendo as coisas da forma mais conveniente. Transformou-se numa segunda linguagem. Hoje, mais do que saber disparar uma arma, um cidadão precisa, para defender-se, de perceber alguma coisa de linguagem. Os truques.
- Como assim?
- Um título recente no jornal dizia: ‘deficientes vão deixar de poder acumular dois subsídios.’ Era a frase de um político. Quem a lê, à primeira, se não souber de onde vem, quem a diz e qual é a intenção, associa “acumular” a alguém ganancioso, usurpador daquilo a que não tem direito. Já “subsídio” remete para não fazer nada e receber algo. Afinal, o que estava em causa eram deficientes que recebiam 20 euros de um subsídio, 15 de outro e cortaram-lhes um. É a isto que me refiro quando digo que as frases formam uma camada de engano.
- Ou seja, enganam sem mentir?
- Aquela frase não era mentira. Eliminava-se a acumulação de subsídios, mas quem lê pensa que se está a tirar de um grande privilegiado uma benesse quando se estava a tirar a uma pessoa deficiente 15 euros em 35. É repugnante.