Há tempos, fiquei surpreendido quando se discutiu, em Portugal,
o protocolo de estado.
E não deveria ter ficado, reconheço.
Tenho alguma experiência dessas coisas, e, francamente, o excesso de formalismo sempre me deu vontade de sorrir.
Por herança conhecida, a sociedade portuguesa tarda em libertar-se dessa obsessão pelo desnecessário.
Li um editorial do jornal público, escrito por Manuel Carvalho e intitulado “as excelentíssimas autoridades”, que tem passagens muito acertadas e, só por isso, redundantes: “... os portugueses devotam um particular carinho pelo beija-mão... são vulgares as poses ridículas a que muitas figuras secundárias do Estado se sujeitam para aparecer ao lado dos “poderosos”... se há alguma coisa a discutir - e não há dúvidas que há -, que se discuta na discrição dos gabinetes”.
Mas, dizia, tenho algum conhecimento dessa paranóia que é o protocolo de estado.
Tive a oportunidade de participar em comissões executivas para a realização de actividades de âmbito nacional e regional, e recordo, como grandes momentos de humor, a elaboração dos programas, principalmente na componente protocolar.
Eram páginas e mais páginas com a designação das entidades devidamente hierarquizada. Havia mesmo especialistas, para quem se telefonava vezes sem conta, que dominavam o rigor dos patamares: se o comandante dos bombeiros aparecia primeiro que o presidente da junta de freguesia, se o ministro da pasta x aparecia primeiro que o ministro da pasta y, eu sei lá...
Era um verdadeiro sufoco. Ficava calado, ria para dentro, por vezes estrebuchava um pouco, outras vezes partia para outra - havia sempre outros assuntos a tratar, felizmente - e esperava que a tempestade passasse. Mas via o modo, convicto e sério, como os meus colegas tratavam do assunto.
Mas o que mais me espantava, era o dia da cerimónia, onde nada daquilo tinha relevância: a maioria das entidades não aparecia, ou se marcava o ponto, assumia um registo informal e mandava às malvas o protocolo. Surreal. A questão era o papel, literal, que passaria para a história. No programa do evento, a ordem dos lugares obedecia à mais minuciosa avaliação da totalidade das entidades. Uma doença.
Questionava-me sempre: mas se nem tempo tenho para ler aquilo tudo, como é que estas pessoas conseguem dedicar um minuto que seja ao assunto?
Escolhi, para acompanhar este texto, uma foto com uma cadeira, porque lembrei-me de uma história bem ilustrativa.
Passou-se em Vila Real de Trás-os-montes, onde leccionei nos anos de 1985 a 1987.
Participava na organização de uma actividade com abrangência regional, quando, e no meio de uma esgotante azáfama, se coloca a questão mais inacreditável que testemunhei: "é preciso ir buscar a cadeira do senhor Bispo".
Por momentos, sou franco, pensei que o senhor seria um obeso excessivo ou coisa do género. Mas teve de ser. Tivemos de providenciar uma carrinha e convocar quatro ou cinco homens para carregar com a pesadíssima cadeira - informação prestada por quem possuía experiências anteriores -.
Fiquei de olho no assunto. No dia da actividade, a cadeira estava vazia. Pergunto a um dos colegas entendidos: - “então o Bispo?”. - “Está atrasado. Mandou dizer para começarmos”.
Perto do fim, lá chegou o senhor. Homem para 70 quilos, se tanto, apareceu quando já todas as pessoas estavam de pé, e, pelo menos aparentemente, nem deu pela cadeira. Terminado tudo aquilo, estávamos confrontados com um problema final: "temos de devolver a cadeira à casa do do senhor bispo de Vila Real".
(reescrito)