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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

a history of violence

22.08.07, Paulo Prudêncio
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Voltei a ver um filme na minha sala de culto: o King, em Lisboa.
Estava uma tarde quente, havia pouco trânsito na Avenida de Roma e arredores, e a sessão das 18h00 coincidia com a nossa agenda: escolhemos o último filme do desconcertante David Cronenberg, “Uma História de Violência”.

Brilhante, uma obra-prima e, principalmente, um filme extremamente bem filmado.
A câmara é o único e absoluto narrador: paira sobre as cenas, parece que as sobrevoa, levando-nos a viver o argumento sem nunca nos esquecermos que somos espectadores. É também por isso, que tendo o filme imagens violentas, ninguém vira a cara ou fecha os olhos: tudo acontece com uma sábia naturalidade. Espantoso, só ao alcance dos ousados, como David Cronenberg.

Esta película deve ter lavado horas e mais horas a planear e a montar.

Devo confessar que aconteceu-me um fenómeno que vale a pena ser referido: quando começaram a passar as primeiras imagens de publicidade e de apresentação de outros filmes, tive a convicção que ia adormecer: as desregras das férias, a praia e o calor primaveril, traduziam uma elevada exigência para um fim de tarde numa sala de cinema.
Mas mal começou o filme, superei tudo isso e só me lembro de, no epílogo da fita, me ter recordado que tinha estado cheio de sono. Incrível.

A história é simples: numa pacata cidade dos estados unidos da américa, Indiana, onde reina a mais perfeita calmaria, Tom Stall (o actor Vingo Mortensen) vive em total harmonia com a sua mulher (a actriz Maria Bello), advogada, e com dois filhos encantadores - um rapaz adolescente e uma rapariga com cerca de cinco anos -.

Mas, uma noite, a sua sonhada vivência é completamente transtornada, quando Tom não permite uma roubo na sua cafetaria e salva os seus clientes e amigos matando os dois assaltantes - que já se tinha percebido que eram dois perigosos criminosos -. Tom é considerado um herói e a a cena é demasiado mediatizada, o que o incomoda de modo evidente.

Quando ele e a sua família tudo fazem para voltar à normalidade, eis que chega à cidade um homem misterioso - rodeado de 3 assustadores capangas - que lança Tom Stall, e o seu núcleo familiar, num espiral de violência com um épico final.

Vingo Mortensen é a escolha perfeita. É impressionante a facilidade com que se transforma num “matador letal”.

David Cronenberg quer passar várias mensagens, salientando-se, na minha opinião, a ideia da mudança de identidades e da sua relação com as marcas que nos podem acompanhar pela vida fora.

Está muito longe de ser uma obra violenta. Caracteriza uma família tranquila, que se vê, de um momento para o outro, envolvida numa crescente escalada de violência.

Um filme para ver e para rever.

(reedição)

poder

16.08.07, Paulo Prudêncio
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Estava por aqui a navegar entre os meus neurónios – uma vez, faz agora muitos anos, lembrei-me de dizer que essa seria a única coisa cinzenta que havia em mim -; essa coisa? Sim, o cérebro, a assoalhada dos neurónios; veja lá, meu caro leitor, que até gostaria que ele fosse, no mínimo, mais eficiente: e hoje penso cada vez mais assim; assim como? Lembro-me de Giorgio Agamben:

“Em vez de procurarem uma identidade própria na forma da individualidade, os homens devem fazer do modo como são – o ser-assim – uma singularidade sem identidade e perfeitamente comum. Só deste modo o ser qualquer pode aceder à sua possibilidade mais imanente e à experiência da singularidade como tal”.


Pois é, isto levar-nos-ia muito longe. E andava pelas singularidades quando me foram evocados os géneros humanos. Já tenho idade para ousar opinar umas coisas e ajudar a certificar, se, também aqui, as singularidades se agrupam por géneros ou por outra coisa qualquer ou se nunca se agrupam (Agamben fala-nos no ser qualquer).

Recordo-me de um mundo habitado por condutores do sexo masculino. Havia gestos que só conheciam o corpo dos homens. Hoje vejo uma espécie de nivelamento sexual nas extravagâncias automobilísticas.

Atrevo-me mesmo a dizer, que as mulheres rapidamente assumiram o pior que nos homens havia (destaquei esta frase, dando-lhe o privilégio de um parágrafo singular, porque parece-me muito musical).

Com os cigarros passa-se o mesmo. Anuncia-se que, as piores doenças provocadas por esta praga, estão a migrar dos homens para as mulheres. Será? A singularidade não resiste aos géneros?

Os meus amigos são quase iguais em número se os dividir por género (se não for exactamente assim pouco importa, vamos fazer de conta que sim).
Os amigos homens ocupam mais cargos do que as amigas mulheres: interessam-se muito mais por isso; têm momentos de completa vertigem.
Os amigos homens esgotam-se mais nas lutas para esses cargos do que a darem-lhes um verdadeiro sentido de utilidade pública e de dever de cidadania (ouvi, numa entrevista radiofónica, um homem autarca do norte de Portugal, confessar que era presidente da assembleia de mais de cem colectividades e afins…).
Saltitam, saltitam e não raras vezes usam o trampolim.

Como será, ou é, com as mulheres?

 


(texto reescrito - primeira edição em 2004)

público e privado

10.08.07, Paulo Prudêncio






Assisti, na imprensa escrita, nas rádios e nos canais de televisão, a uma inundação noticiosa sobre a batalha à volta do poder no maior banco privado português. Li coisas espantosas sobre as mordomias a que se "sujeitam" os mandantes da instituição: até o número de seguranças do anterior líder veio a lume: 40.

Parecia uma zanga de adolescentes retardados, motivada por desentendimentos na interpretação das regras do jogo do monopólio na versão sénior.

Mais eis que o incrível aconteceu: por incompetência, ou por outro motivo qualquer, o sistema informático, que sustentava uma assembleia de accionistas com enorme valor mediático, pifou. A sério: pifou. O verbo pifar foi conjugado por quem anunciou a tragédia.

Ai se fosse uma instituição pública.

as irrelevâncias e o plano tecnológico

08.08.07, Paulo Prudêncio




Dei com a notícia e nem queria acreditar: o Ministério da Educação promoveu uma conferência de imprensa para apresentar o plano tecnológico para as escolas: computadores portáteis, projectores de vídeo e quadros interactivos; para a sessão de demonstração de uma sala de aula do próximo futuro, os responsáveis pelo ministério socorreram-se de uma agência especializada em efeitos mediáticos, que, e para o destino em causa, recrutou jovens a quem pagou 30 euros.

Confrontada com o facto, a Ministra de Educação sentenciou: - é irrelevante. Será? Então e a pedagogia contra o trabalho infantil? E o que têm as finanças a dizer a isto? Seria tão importante assim a demonstração de eficácia no manuseamento destas novas tecnologias? Não gostei: nem da ideia dos profissionais da propaganda nem do que ouvi.

intervenção divina

02.08.07, Paulo Prudêncio
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É comum ler-se e ouvir-se criticas muito contundentes à caixa que mudou o mundo. O mesmo, passa-se com a utilização da internet e passou-se com o uso do telefone. São criticas e, por isso, devemos considerá-las de modo muito atento quando construímos os nosso projectos de vida. Mas não deixo de afirmar que estes meios fantásticos trazem sempre um vasto conjunto de oportunidades. Trata-se, sempre, da forma como os usamos. Todos eles têm um botão comum: liga-os e desliga-os.

Liguei a minha televisão para ver mais um dos filmes que me escapou: a “intervenção divina” do palestino Elia Suleiman.

Tinha visto o seu “crónica de um desaparecimento” e, desde aí, fiquei atento às suas realizações. Para além disso, o seu cinema vem da mesma área de um dos meus realizadores preferidos: o iraniano Abbas Kariostami – e sabemos como é difícil a caminhada ocidental destes realizadores.

A “intervenção divina” tem duas fases. Uma primeira, mais próxima do meu gosto pessoal – com poucos meios e com “muito mais tempo” - e uma segunda, mais preenchida por efeitos especiais tão ao género dos “thriller” ocidentais.

Fiquemo-nos pela primeira: fala-nos do cruel conflito Israel versus Palestiniana - ou Palestina versus Israel, é como preferirem, já que o que é estúpido é-o de qualquer dos modos - e filma-o, quase sempre, na fronteira entre Ramallah e Jerusalém. Preenche-nos com quadros que retratam, com uma suave e eloquente brutalidade, a estupidez humana e os seus constantes e mesquinhos conflitos.

Não toma partido, ao contrário da segunda parte, que se assume claramente pró-palestiniana, e expõem os humanos à sua natureza mais cruel. Mostra-nos a possibilidade de filmar em profundidade e em ruptura com as técnicas canonizadas. Uma sincera homenagem à beleza. Um grito.

Aconselho.

A escolha do título, pareceu-me uma homenagem ao modo inacreditável como cada um dos palestinos sobrevive à imensa desigualdade de meios de sofisticação bélica - do ponto de vista tecnológico, claro - que esta guerra transporta. Segundo Elia Suleiman, só mesmo com uma intervenção divina.