vergílio ferreira (1)
05.04.07, Paulo Prudêncio
A propósito de uma frase que li noutro blog e que coloquei por aqui, fui reler a Alegria Breve de Vergílio Ferreira, a obra favorita do autor.
Não resisto a citar o início do livro:
"Enterrei hoje minha mulher - porque lhe chamo minha mulher? Enterrei-a eu próprio no fundo do quintal, debaixo da velha figueira. Levá-la para o cemitério, e como? Fica longe. Ela pedira-mo uma vez, inesperadamente, acordando-me a meio da noite. Queria que a enterrasse junto ao muro que dá para o caminho, por que se vê daí a casa dela. Habituara-se a olhar para aquele sítio depois que ficou só. E pensava: “Verei dali a janela do meu quarto”. Mas teria de transportá-la para lá. Não tenho forças e cai neve. A quantos estamos? É Inverno, Dezembro, talvez, ou Janeiro. Tiro a neve com uma pá, traço o rectângulo e cavo. Dois cães assomam à porta do quintal, chupados de ódio e de fome. Ainda há cães pela aldeia? Babam-se e uivam sinistramente. Tomo uma pedra, disparo contra um, desaparecem ambos a ganir. E de novo o silêncio cresce a toda a volta, desde a montanha que fico a olhar até me doerem os olhos. Olho-a sempre, interrogo-a...”