os desvinculados
12.08.06, Paulo Prudêncio
Venho falar-vos da actividade profissional do Sr. Francisco. Não tanto do seu desempenho profissional, claro, mas, como mais à frente irão ver, do enquadramento legislativo que a sua condição de activo oferece.
Pus-me a reflectir sobre isso. O Sr. Francisco é um empregado de mesa com um contrato que lhe garante um vinculo de efectividade. Coisa de outro tempo, ao que julgo saber. Já quase ninguém é efectivo neste ramo de actividade; neste, como em quase todos.
Estou há cerca de vinte anos a viver na mesma cidade e isso permite-me ir conhecendo alguns dos hábitos e especificidades do lugar. Um dos cafés - neste caso podemos falar de um lugar que é um café, mas que é também um restaurante, uma cervejaria, um snack-bar, eu sei lá, um espaço multi-serviços - que mais frequento, já mudou umas quantas vezes de gerência. E sempre que isso acontece, o Sr. Francisco permanece de pedra e cal na sua função. Tenho-me apercebido do incómodo que isso cria na altura em que se negoceia o trespasse do café: o Sr Francisco faz parte da mobília.
Apercebo-me, também, que no início da renovada actividade do espaço, o Sr. Francisco parece meio perdido e com alguma dificuldade em aceitar a concepção do novo proprietário; e a coisa é recíproca.
Passados uns tempos, a imagem modifica-se por completo e a harmonia é a nota dominante. Tudo volta a correr sobre esferas. O Sr. Francisco volta a ser uma pedra nuclear. A situação do Sr. Francisco contaria todos os códigos de trabalho que os tempos mais recentes vão desenhando. E reflecti sobre isto, a propósito, vejam lá, de um estudo que diz que o Portugal actual aumenta a desigualdade entre ricos e pobres.
E mais: apurados os dados financeiros de 2005, vemos que os lucros dos mais ricos subiram em flecha. Coisa um pouco estranha, esta.
Paulo Guilherme Trilho Prudêncio.