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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

bloco da precaução [2]

23.05.10

 

 

Foi daqui

 

 

 

Quem quer que se meta na aventura de reflectir sobre o estado do sistema escolar português pode escolher os mais variados pontos de partida. A minha opção navega na história mais recente e encontra no tratamento da informação o seu desígnio primeiro.

 

Podia optar por outra designação: "sistema escolar por blocos". Mas a ideia de bloco da precaução tem duas vantagens: é o bloco que mais asfixia o privilégio de ensinar e pode tornar mais inteligível o que quero exprimir.

 

Importa estabelecer duas questões prévias:

A função primeira da escola é o ensino. Mas mais: sabe-se muitas maneiras de ensinar mas pouco sobre o modo como cada um aprende. Se em relação à forma como cada cérebro processa as suas aprendizagens a palavra-chave é ignorância, então é avisado não se hierarquizar os métodos de ensino. Esse atrevimento selectivo, docimológico e algo dogmático, tem provocado inúmeras polémicas;

Os critérios determinantes para os sistemas de suporte à tomada de decisões, obedecem a três categorias sobre o tratamento da informação: delimitar, obter e fornecer. Deve ser feita uma análise aturada que permita estabelecer a informação que é estruturante para, depois, a obter e fornecer, em tempo real, com o recurso a novas tecnologias e com o imperativo de produzir conhecimento (estruturante das organizações).

 

Consideremos três blocos e caracterizemo-los então.

 

O bloco do ensino é o lugar que determina toda a actividade que cada um dos professores faz dentro da sala de aula; neste imenso universo deve centrar-se a sua avaliação do desempenho, onde é indiscutível que cada professor deve estar sempre preparado para fundamentar as suas opções científicas e didácticas e os critérios que escolheu para avaliar os seu alunos.

 

O bloco da organização escolar é o espaço que se destina a criar as melhores condições para que cada uma das aulas se realize: é a sua primeira finalidade. Solicita aos professores duas informações: a classificação de cada um dos alunos e a respectiva assiduidade. Deve seleccionar a informação que pretende obter para a fornecer em tempo real e com a exigência que produza conhecimento. Este bloco deve ser dirigido por um professor e tenho ideia que será melhor conduzido por aqueles que revelem um desempenho muito profissional no bloco do ensino.

 

O bloco da precaução caracteriza-se por um universo informativo que é obtido apenas para arquivo e que existe por dois motivos: ou porque está determinado de modo central, muitas vezes com a supervisão das auditorias externas (vulgo Inspecção-geral da Educação) dos serviços centrais do ministério da Educação, ou porque emergiu das invenções técnico-pedagógicas em que se transformaram o ministério da Educação e as escolas de formação de professores. E aqui encontramos um inumerável elenco de invenções burocráticas: inúmeras actas e relatórios sem parâmetros indicadores de informação estruturante, projectos educativos impossíveis de avaliar, projectos curriculares de turma e de escola, programas educativos individualizados, documentos definidores de objectivos com designações variadas de acordo com os gostos e os feitios dos promotores de ocasião, e por aí fora numa lista que podemos considerar como quase interminável.

 

Este bloco da precaução, que foi construído paulatinamente ao longo de anos e que criou um muro de burocracia no exercício da gestão da informação escolar, é tão difícil de derrubar que essa tarefa só é comparável à queda do muro de Berlim.

Sobre o muros dos professores portugueses escrevi, em tempos, assim:


“há muros por tantos lados que o seu porvir é tão diverso quanto os propósitos das suas edificações. Quando a liberdade dos homens esbarra num qualquer aglomerado, de tijolos ou de verdades incontestáveis, e por muito consistente que seja a argamassa que as compõe, o obstáculo acaba por ceder e cai de modo drástico e estrondoso. 

O que mais impressiona nas quedas, e remeto-me para a do muro de Berlim, é a incredulidade dos que estiveram anos a fio do lado errado: em muitos casos, começaram por crer nas virtudes dos dogmas; depois, sustentaram as suas vidas na acomodação aos manipulados e "cinzentos" privilégios dos funcionários médios e superiores dessas sociedades; por fim, acabaram como defensores acérrimos de burocracias monstruosas, repetitivas e desprovidas de qualquer sentido libertador da condição humana.

A situação dos professores portugueses pode explicar-se do mesmo modo: imersos num tentacular assombro burocrático, que começa no "muro" da 5 de Outubro para alastrar-se à restante máquina administrativa, os professores, indignados e saturados, e sem liberdade para ensinar, ecoam os seus protestos dos lugares mais recônditos do país até ao histórico Terreiro do Paço. Incrédulos, os funcionários do chamado "eduquês" ("uma industria que move milhões") estão atónitos, mas ainda esperançosos: têm, nas equipas que têm governado o ministério da Educação, uma força de vanguarda e um último e desesperado bastião. Não é fácil assistir a uma queda sem fim e presenciar a ruína das convicções mais profundas, trabalhadas árduamente durante décadas.”

 

A institucionalização do bloco da precaução, e a sua aparente autoridade, parte dos serviços centrais do ministério da Educação e alarga-se de um modo “impensado” à organização da maioria das escolas. A sua operacionalização através dos recursos humanos que requisita é responsável por um custo financeiro que tem tanto de volumoso como de ineficaz.

 

As invenções burocráticas devidamente preenchidas, são, por precaução, a única consciência profissional de muitos estabelecimentos de ensino. E isso retira sentido de autonomia, de responsabilidade e gera fenómenos de subserviência, de medo e de despesismo financeiro

 

Só assim foi possível verificar um conjunto denominado de boas práticas que tornava "exequível" aquilo que depois se provava ser inaplicável: é essa uma parte crucial da história recente da avaliação do desempenho dos professores e do arrastamento insuportável desta coisa sem pés nem cabeça. Quando se tentou perceber as boas práticas das escolas ditas de referência, o ridículo eliminou rapidamente a visibilidade mediática que se quis impor. Também por precaução se deixou de falar nisso.

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