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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

willkommen mr. chance

11.06.13, Paulo Prudêncio

 

 

 

 

Estava, na última sexta-feira, à conversa com a CJ e o LR quando a CJ introduziu um tema que desconhecíamos: Vitor Gaspar justificara a ausência de investimentos com a meteorologia. Ficámos incrédulos e o riso acentuou-se quando o LR se recordou de uma estória semelhante: "O Willkommen Mr. Chance (de 1979 e vai em alemão porque sim)" com Peter Sellers.

 

Já vai ver o vídeo, e ler um resumo do filme, e perceber como um jardineiro isolado do mundo real, compulsivo no zapping televisivo, lento e monocórdico no discurso e que falava literalmente de jardins, conseguia impressionar os poderosos deste mundo que "liam" os seus discursos como metáforas (o LR disse-me há pouco que são mais alegorias com uma ou outra metáfora, o que no caso Gaspariano é ainda mais perigoso) políticas.

 

E não é que a seta vermelha que encontrei no Público do dia seguinte fez a mesma associação? Asseguro que foi uma coincidência, mas é muito significativo.

 

 

 

 

 

 

"Imaginemos que um homem foi criado, desde que se lembra, na casa de um homem rico, em Washington, DC, onde aprendeu a cuidar dos jardins e a aguardar que as refeições lhe fossem servidas por uma empregada, Louise, sendo esta a sua rotina, dia após dia, ano após ano, até aos seus cinquenta anos. Sem autorização para sair da propriedade, sem documentos para comprovar a sua existência legal, esse homem vive completamente a sua identidade de jardineiro, conhecendo o mundo apenas através dos inúmeros televisores com que o misterioso “senhor idoso” dono da casa, ao longo dos anos, o presenteou. Habituado a observar e a imitar o que vê, mas não a agir nem a interagir com pessoas, controla a realidade mudando de canal constantemente, mantendo uma expressão neutra e um discurso pausado, vazio e monocórdico. Agora imaginemos que o “senhor idoso” morre, que a empregada Louise se vai embora e que a casa é fechada, à ordem dos advogados encarregados de fazerem o inventário. E que quando os advogados chegam, encontram aquele homem na sala, sentado à mesa, a mudar os canais do televisor enquanto espera que a Louise lhe sirva o almoço. “Being There”, título original do romance de Jerzy Kosinski e desta longa-metragem, é o título certo e um grande título.

 

Finalmente despejado, aquele homem, Chance, pisa a rua, aos cinquenta anos, pela primeira vez na sua vida. À primeira vista, nada de mal se nota nele. Pelo contrário, está bem vestido, talvez demasiado bem vestido e certamente num estilo demasiado clássico, com aquele chapéu de feltro cinzento, aquela mala de crocodilo, o sobretudo e o guarda-chuva, mas, se o seguirmos com o olhar enquanto o vemos passar e o observarmos melhor quando ele está de costas, revelam-se-nos as calças curtas de mais que descompõem grosseiramente a ilusão de boa apresentação das restantes roupas do “senhor idoso” que ele era autorizado a vestir. Gelamos pela redefinição de solidão dada por aqueles passos sem destino, por aquelas perguntas patéticas, pelas tentativas de mudar a realidade desagradável com o telecomando de televisor que trazia no bolso.

 

Mais pungente ainda se torna tudo isto se soubermos que o actor que interpreta esta quase não-entidade, esta espécie de cidadania de grau zero de consciência, é Peter Sellers, celebrizado por figuras incrivelmente cómicas como Harry em “O Quinteto Era de Cordas” (1955), Clare Quilty em “Lolita” (1962), o Doutor Estranho Amor no filme com o mesmo nome (1964), o detective chinês Sidney Wang em “Um Cadáver de Sobremesa” (1976) e, sobretudo, o inspector Jacques Clouseau na série de filmes da Pantera Cor-de-Rosa (1963-1978).

 

Por esta composição, Peter Sellers recebeu a sua terceira nomeação para um Óscar (a primeira foi para o de melhor curta-metragem, a segunda foi para o de melhor actor principal em “Doutor Estranho Amor”), novamente para o de melhor actor principal, mas pela sua única interpretação num filme dramático, avaliada por muitos críticos como tendo sido a melhor de toda a sua carreira. Não só não ganhou o Óscar (em nenhuma das ocasiões) como, cerca de dois anos depois de concluída a rodagem de “Bem-Vindo Mr. Chance”, morreria em consequência de ataque cardíaco, aos 54 anos.

 

É natural que o excelente cómico tenha ofuscado o actor dramático desta obra estranha de um Chance, "gardner" (jardineiro) transformado acidentalmente em Chauncey Gardiner, a cujo discurso vazio os poderosos acrescentam sentido, mas quer a vitória de um, quer a derrota do outro são peças preciosas para o cinéfilo dos filmes sem idade."

 

 

 

 

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