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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

da razão

09.11.08

 

 

Por motivos vários, a nossa deslocação a Lisboa, para a marcha da razão, do dia 8 de Novembro de 2008, foi feita no nosso automóvel. Saímos das Caldas da Rainha, cerca das 12h00, e a primeira paragem foi logo na área de serviço de Óbidos para o inevitável café. Encontrámos alguns professores que tinham o mesmo destino.

 

Fizemos o percurso até à capital sempre com muito movimento. A entrada em Lisboa decorreu normalmente e estacionámos o automóvel na Praça do Saldanha. Como a linha verde do metro estava encerrada para obras, apanhámos o autocarro 44 até ao Rossio. Pelo percurso, fomos vendo professores e mais professores, de todas as idades e com os mais variados endereços, a caminho da baixa lisboeta. Era a segunda vez, no mesmo ano, que nos deslocávamos à capital com o mesmo objectivo: o que, desde logo, não deixa de ser algo surpreendente. Os tempos são o que são e voltaremos as vezes que forem necessárias.

 

Comemos qualquer coisa no Rossio e caminhámos para o Terreiro do Paço. Eram 13h00 e o movimento na Rua do Ouro começava a ficar infernal.

 

Tivemos que alterar o percurso de modo a entrar para o Terreiro do Paço na célebre esquina onde se situa o Martinho da Arcada. E por ali ficámos à espera dos nossos colegas das Caldas da Rainha: pelo telefone, fomos sabendo o que se passava com eles e funcionámos como uma espécie de GPS. Fazíamos muita questão de estar juntos.

 

 

 

A espera na célebre esquina prolongou-se por cerca de uma hora. E aí, percebemos logo que estávamos a iniciar mais uma histórica manifestação: encontrámos colegas de Chaves, cidade natal da minha mulher e onde fiz a profissionalização em exercício no biénio 1983/1985. Faz tempo, passaram mais de 20 anos, o reconhecimento mútuo não foi imediato, mas a fraternidade instalada na memória rapidamente abriu a porta ao que nos trazia por ali num sábado de Novembro: indignação, saturação e o mais veemente protesto.

 

Via-se que chegavam professores de todos os cantos do país, que tinham saído de madrugada de casa e que só lá regressariam na madrugada do dia seguinte. Como é possível que duas os três pessoas, teimosas e desprovidas do mais elementar bom-senso, consigam fazer tanto mal a mais de 120.000 pessoas, como depois se veio a confirmar. Se isto não obedecer a uma qualquer intervenção mais sensata e conhecedora, poderemos vir a estar numa situação tão grave cujos contornos ninguém conseguirá prever.

 

Não vale a pena sequer insistir e dizer o contrário do que vou escrever: a marcha da razão ultrapassa em muito a capacidade mobilizadora da plataforma sindical ou mesmo dos partidos políticos da oposição. É bom que se diga e que se sublinhe: estiveram 120 mil professores na rua porque lutam contra - e com toda a razão, que ninguém tenha dúvidas disso - um conjunto de políticas que se expressam com maior visibilidade no actual modelo de avaliação do desempenho.

 

 

A inexequibilidade do referido modelo que, entre outros aspectos não menos importantes, prevê um chamado "perfil funcional" do professor assente em quatro dimensões, é desastroso e caiu. Este diploma nunca deveria ter visto a luz do dia. O que era avisado e conhecedor, passava por centrar o processo de avaliação numa só dimensão: a do ensino e da aprendizagem.

 

As outras fatídicas três dimensões, cujo conteúdo também inclui o exercício profissional de muitos professores, são de avaliação inexequível. E mais: é completamente descomunal que alguém pense num sistema que se inicia na louca divisão da carreira e que pretenda avaliar os professores todos em ciclos pluri-anuais. Como já escrevi muito sobre o assunto, o que pode ser encontrado noutras entradas deste blogue, remeto-me apenas para outro argumento que me parece, nesta altura, ainda mais visível: 

 

já nada há a fazer que salve o presente diploma de avaliação do desempenho. Morreu nas escolas e na incapacidade congénita do documento. A impossibilidade de se estabelecer qualquer espécie de entendimento é também uma evidência.

 

Só resta a propaganda. A rede de "spin-doctors", tão cara aos governos que se acham modernos, é também uma causa da morte das suas políticas. Cria uma teia que ilude de tal forma a realidade, que pode atingir dimensões desastrosas, já que é incomensurável o desfasamento entre o que existe e o que está na cabeça dos decisores políticos; é o que se vê na actualidade da vida do ministério da Educação em Portugal e de quem dirige o governo.

 

Quem usa a obscena avaliação a que foram sujeitos os professores contratados no ano lectivo anterior, está a mentir - e só podia crer que não sabe que está a mentir, mas não: sabe e mente - quando diz que não se pode voltar atrás por esse motivo: esses professores foram objecto de uma pontuação que nada tem a ver com o que previa o diploma;

 

chega, basta, ou quem diz isso não vê o sofrimento que se instalou na alma dos professores deste país? Como é que o partido socialista, onde votei, embora não seja militante, nem desse nem de nenhum partido político, nas últimas eleições legislativas, consegue subscrever o que se passa com as políticas da Educação? Não resta, no partido socialista, uma pinga de vergonha ao ficar para a história como a organização política que deu guarida a um conjunto de políticas tão desastroso como este? Não quero acreditar. Mudar não é nada disto, por muito teimosos e convencidos que sejam os figurantes.

 

 

 

 

 

 

Às 14h00 o Terreiro do Paço já apresentava o ambiente que se pode ver na imagem acima. Não havia sinais de festa, pelo contrário: percebia-se uma clima de sofrimento que pode estar muito perto de uma perigosa exaustão.

 

 

 

 

 

 

 

Cerca das 15h00 lá nos juntámos e fomos ocupar o nosso espaço no Terreiro do Paço. A solidariedade não é palavra vã e até alguns dos professores que, entretanto, se reformaram, vinham dizer de sua justiça.

 

 

 

 

 

 

Calculámos logo que íamos passar umas boas horas por ali e tratámos de hastear a nossa bandeira para nos orientarmos sempre que, por qualquer motivo, tivéssemos de abandonar provisoriamente o local. As conversas mudaram um pouco de tom em relação ao 8 de Março de 2008: agora, a ideia de festa estava definitivamente substituída pela de sofrimento, apenas se mantinha bem presente o espírito de indignação e a crescente vontade de lutar. Mas que ninguém se iluda: as duras marcas de injustiça, já cravadas na pele e no osso de cada um, jamais serão esquecidas.

 

 

 

 

 

 

 

Ouvíamos os discursos e aplaudíamos de quando em vez. Recebíamos chamadas telefónicas que nos ião dando conta do que se passava nos órgãos de serviço à democracia mediatizada. Passava uma ou outra nuvem, mas nada que perturbasse a determinação de quem quer que fosse.

 

 

 

 

E o Terreiro do Paço continuava a inundar-se de vozes da razão, numa dimensão que impressionava e comovia. Se não estavam por ali todos os professores portugueses, estavam lá todos os que se interessam verdadeiramente pela profissionalidade mais genuína. Um ou outro dos ausentes, cujos imperativos de vida impossibiltavam a sua presença, estavam também ali, com toda a certeza.

 

 

 

 

Os números iam subindo de modo impressionante: ultrapassava-se os 100 mil de 8 de Março de 2008.

 

 

 


 

A plataforma sindical anunciava o fim dos entendimentos com o ministério da Educação. Pareceu-me uma redenção considerando o que se assinou depois do 8 de Março de 2008. Os números indicavam a presença de 120 mil professores: um número muito superior à capacidade de mobilização de quem quer que seja.

 

 

 

 

 

Eram 17h00 quando começámos a abandonar o Terreiro do Paço rumo ao Marquês de Pombal. Eram 120 mil professores e consegue imaginar-se a ausência de espaço. Imperava o civismo e o mais sereno e interrogado dos semblantes. Olhares distantes eram interrompidos, aqui ou ali, com alguns cantares alusivos ao momento. Mas a atmosfera revelava exaustão e com signiificativas indicações da mais profunda saturação e revolta. Nunca tinha visto nada assim, confesso. Um ambiente que pode explodir a qualquer momento.

 

 

 

 

 

 

O sol dava os últimos sinais de luminosidade. Voltaria no dia seguinte, como se viu.

 

 

 

 

 

 

 

Escolhemos a Rua Augusta. De princípio a caminhada era muito lenta, mas depois começou a fluir.

 

 

 

 

 

 

 

 

A caminhada voltou a ficar lenta na ligação entre o Rossio e os Restauradores. Já se imaginava. Foi nessa altura, que começou a passar a palavra sobre o conteúdo de uma conferência de imprensa da ainda ministra da Educação. Claro que não vi esse momento negro. Mas foi o que já se sabia: e destaco as palavra escritas do antigo chefe da casa civil da presidência da República, julgo eu, de Mário Soares, Alfredo Barroso - apenas substituía o autismo por um sinónimo, por respeito aos autistas -:

 

"O problema desta ministra da Educação, para além do óbvio autismo que a imobiliza e a suspende no tempo, é o seu profundo desprezo pelos professores, pelos sindicatos, pelos partidos políticos e pelo debate democrático. Em suma: por todos os que a contestam.
Quem a viu ontem nas televisões a chispar ódio, a vomitar ressentimento e a destilar rancor por todos os poros, percebeu sem dificuldade que há nela algo de salazarento, como que um cheiro a bafio antidemocrático que nos faz recuar várias décadas, até ao tempo da outra senhora, em que prevalecia a ditadura do «quero, posso e mando."

 

 

 

 

 

 

 

A foto acima está preenchida por professores que conheço bem. E lembrei-me do Wally. Onde está o Wally?

Pois é, o Wally vai, claro, de boné vermelho e é a Isabel. A Isabel é a professora da minha escola que coordenou toda a deslocação. Fiz a manifestação toda ao lado dela e esta é a única fotografia que tirei em que ela aparece: uma mulher de armas, com toda a certeza, mas uma democrata firme e de corpo inteiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E lá fomos caminhando até ao Marquês de Pombal onde terminaria a marcha da razão.

 

 

 

 

 

E agora? Bem agora, e tendo em consideração a alucinação que se apoderou de quem nos desgoverna, não nos resta outro caminho senão continuar, como se foi ouvindo com cada vez mais persistência: continuar a luta dentro das escolas e fora delas.

 

Ouviu-se, como se ainda fosse preciso, afirmações que revelavam muito medo espantado. Que ninguém duvide: havia, e há, professores com medo no Portugal do século XXI. Uma vergonha.

 

A 8 de Março estive na marcha de indignação. Foi essa a minha primeira impressão. A 8 de Novembro, oito meses depois do monstro se ter movimentado mais uma bocado, participei na marcha da razão. Nem consigo imaginar como lerei a próxima.

 

Estarei aqui, e noutros sítios também, até que o monstro caia de vez.

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