os intelectuais e a tirania
A crónica de ontem de Pacheco Pereira no Público aponta o dedo, e muito bem se me permitem, aos intelectuais que consideram que os portugueses não estão conscientes das dificuldades (como se pode ler na imagem que acompanha o post).
É frequente ouvirmos aplicar o determinante indefinido "todos" para atribuir responsabilidades aos portugueses pela bancarrota, pelo "fechar" de olhos à corrupção e pelos mais variados assuntos. Todos não, dizem muitos e com razão. Esse revisionismo histórico é injusto.
Por outro lado, é só pensarmos um bocadinho e encontramos amiúde exemplos da trágica e cínica associação entre a intelectualidade e a tirania; nem que seja pela condescendência. É sempre importante estarmos bem avisados.
Para Pacheco Pereira, os intelectuais não tiveram uma interpretação brilhante "dos tempos"; nomeadamente no século XX e pelos vistos também na actualidade.
Não sei em quem é que ele estava a pensar, antes e agora, sei que para além de Heidegger ("o maior dos pensadores e o mais pequeno dos homens"), também Sartre é tratado assim no excelente livro de George Steiner que acabei de ler:
"(...)Vou-lhe responder, com todo o respeito; o problema são as alianças extremamente perturbantes que se dão entre a mais alta filosofia e o despotismo. É Platão que vai (três vezes) ter com o tirano Dionísio de Siracusa. É o fascínio que a tirania e até mesmo o inumano exercem sobre a alta abstracção. Estive na China na minha qualidade de professor. Conheci lá colegas que as torturas dos Guardas Vermelhos tinham deixado estropiados. Fizeram chegar a Jean-Paul Sartre uma carta que dizia: "Diga alguma coisa, você, o Voltaire do nosso século, faça alguma coisa." Tinham até estudado em Paris, com Sartre. Ao regressar a França, Sartre dirige-se ao Vélodrome d´hiver para explicar que os boatos que correm sobre as sevícias praticadas pelos Guardas Vermelhos são propaganda da CIA americana. Sartre, durante toda a sua vida, desfilou mentiras, umas atrás das outras, sobre as tiranias.(...)"
Steiner, G. e Spire, A. (2000:59).
Barbárie da Ignorância.
Lisboa.
Fim de Século.