ontem, pela assembleia municipal das caldas da rainha
Estive, ontem, na Assembleia Municipal das Caldas da Rainha para assistir às intervenções à volta das questões solicitadas pelo movimento "Em defesa da escola pública do oeste".
A reunião estava marcada para as 21h00 e registou a pontualidade de dezenas de professores. Parece que existia uma tolerância habitual de cerca de 15 minutos que ontem se prolongou. Às 21h35 chegaram os primeiros membros da Assembleia Municipal e a reunião teve início às 21h50 com a realização de uma séria de burocracias. O presidente da reunião passou então àquilo que designou como "essa estória da escola pública".
A comissão da representantes, através do professor Francisco Silva, leu o documento que colo de seguida durante 10 minutos. Os partidos políticos (BE, PS, PCP, PPD/PSD e CDS/PP) fizeram intervençoes de 3 minutos cada e concordaram na generalidade com o documento do movimento, existindo nuances diversas que podem ser consultadas nos documentos públicos ou na acta da reunião. Seguiu-se ainda uma intervenção de 5 minutos do vereador com o pelouro da Educação.
Foi aprovada a continuação da discussão em especialidade.
Assembleia Municipal
"Perante a situação preocupante a que chegou a rede escolar pública do concelho de Caldas da Rainha, e o silêncio ou a ausência de um Conselho Municipal de Educação, os professores das escolas públicas deste concelho decidiram dirigir-se a esta Assembleia Municipal. Porque as questões que esta situação levanta não dizem respeito apenas a uma classe profissional, mas sim a todos os cidadãos e contribuintes, entendem os professores aqui presentes que ela deve ser objecto de análise e de deliberação por esta assembleia e que deve, necessariamente, mobilizar a intervenção do município.
Os responsáveis pela organização da rede escolar nas Caldas da Rainha têm privilegiado os dois colégios privados com contrato de associação existentes no concelho na atribuição de turmas, optando pela subutilização da oferta da rede pública e, consequentemente, pela duplicação de despesa e desperdício de dinheiro público.
Nos termos da legislação em vigor, o Estado celebra contratos de associação com escolas privadas que se situam em zonas carecidas de escolas públicas, tendo como objectivo assegurar a gratuitidade do ensino aos alunos que não tenham obtido vaga nas escolas da rede pública.[i] O conceito de área carecida de escolas públicas prende-se com a não existência ou saturação de escolas públicas numa determinada localidade. [ii]
Em 2005, a autarquia negociou com o grupo privado GPS a construção de dois colégios. Em vez da construção da escola pública que estivera prevista, foram construídos um colégio em A-dos-Francos (Colégio Frei S. Cristóvão) e outro em plena zona urbana, área de influência de escolas públicas (Colégio Rainha D. Leonor). Estes dois colégios viriam suprir as necessidades do sistema de ensino público, justificando-se a sua integração na rede escolar pública com a sobrelotação das escolas da rede pública. [iii]
O que se verificou desde então foi um encaminhamento de alunos para estes dois colégios financiados pelo Estado, que conduziu a uma redução significativa do número de turmas nas escolas públicas e à consequente subutilização dos espaços e equipamentos aqui existentes, ficando um grande número de professores com horário zero, bem como professores contratados que vão continuando excluídos, apesar de terem a experiência de um elevado número de anos de serviço.
Os dois colégios foram aumentando o número de alunos, transformando-se em concorrentes das escolas públicas, situação que atinge especial gravidade com o Colégio Rainha D. Leonor. [iv]
Esta situação leva-nos a concluir que a organização da rede escolar de Caldas da Rainha depende de relações pouco claras entre público e privado, indiciando a actuação dos seus responsáveis um desrespeito pela legislação e um favorecimento de interesses privados.
Destacam-se alguns exemplos:
Em 2005/2006 os alunos do curso de Ciências Socioeconómicas foram encaminhados para o Colégio Rainha D. Leonor, que assim se iniciou nesta área, substituindo-se nos anos lectivos seguintes à escola pública onde até então aquela área era leccionada: a Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, que era a única que tinha um grupo disciplinar de professores de Economia. Os responsáveis pela organização da rede escolar caldense optaram, assim, por levar o Estado a contratualizar turmas com o grupo GPS para as quais havia lugar naquela escola pública. Tendo em conta os valores do financiamento, e admitindo que este colégio só abriu uma turma em cada ano lectivo, esta decisão custou, entre 2005 e 2012, mais de 1,7 milhões de euros ao erário público.
Em ofício do Ministério da Educação, de 13 de Setembro de 2012, pode ler-se que para o presente ano lectivo, a capacidade de resposta das escolas públicas do concelho, para o 2º e 3º ciclo e ensino secundário, é de 162 turmas, prevendo-se a possibilidade de constituição de cerca de 206 turmas.[v] Na realidade, foram constituídas 210 turmas, estando apenas 150 nas escolas públicas. Assim, e de acordo com estes números do MEC, foram encaminhadas para as escolas privadas pelo menos 12 turmas para as quais as escolas públicas tinham capacidade de resposta. Por estas 12 turmas o grupo GPS vai receber do Estado cerca de um milhão de euros.
A Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro foi requalificada em 2010/2011. Ignorando o investimento feito (cerca de 10 milhões de euros), os responsáveis pela definição da rede escolar do concelho continuam a optar pelo subaproveitamento das estruturas e dos recursos públicos, em benefício das escolas privadas. Por exemplo: no presente ano lectivo o Estado está a financiar duas turmas do 10º ano de Ciências e Tecnologias no Colégio Rainha D. Leonor, quando na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro só abriu uma turma deste curso, apesar de haver laboratórios e equipamentos com elevados padrões de qualidade. Enquanto isto, professores de Física e Química e de Biologia desta escola, com muitos anos de serviço, viram-se confrontados com horários zero. Só por estas duas turmas, que podiam estar na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, os contribuintes pagam ao grupo GPS mais de 170 000 euros.
Das escolas do 1º ciclo pertencentes ao Agrupamento de Raul Proença, continuam a ser encaminhadas turmas para o Colégio Rainha D. Leonor, apesar de existirem vagas nas escolas para as quais, de acordo com a legislação que está na base da constituição dos mega-agrupamentos, deveriam preferencialmente transitar: a EBI de Santo Onofre e a Escola Secundária de Raul Proença.
Em reunião com os representantes do movimento Em Defesa da Escola Pública no Oeste, o vereador da Educação, Tinta Ferreira, afirmou que o objectivo da autarquia, em termos de rede escolar, é conseguir um equilíbrio entre as escolas do concelho, estando os dois colégios incluídos.
Ora, se é este o objectivo da autarquia – conseguir um equilibro -, torna-se ainda mais preocupante a situação da rede escolar pública caldense.
Face à lei vigente e face à Constituição da República Portuguesa, a celebração de contratos de associação não pode ser vista como sinónimo de uma irreversível integração destes colégios na rede pública.
De acordo com a Constituição, são deveres do Estado assegurar o acesso de todos à Educação e criar uma rede de escolas públicas que responda às necessidades de toda a população. [vi] Aquilo que, nos termos da lei, o Estado financia com os contratos de associação não é a liberdade de escolha, mas sim um bem superior que é a realização do direito de todos ao acesso à Educação, recorrendo àqueles instrumentos contratuais em localidades onde a oferta pública é insuficiente. Havendo vagas nas escolas da rede pública, estes contratos deixam de ter sentido e perdem a sua legalidade.
Assim sendo, o lugar dos dois colégios na rede escolar pública caldense só pode ser o de suprir as falhas que nela se verifiquem, dependendo o número de turmas a contratualizar do grau de insuficiência manifestado.
Em síntese:
O lugar que é atribuído a estes dois colégios na rede escolar pública caldense, tendo em conta o número de turmas contratualizadas, constitui uma violação da lei e um desperdício de dinheiro público. A situação é particularmente grave com o Colégio Rainha D. Leonor, com o qual há muito tempo que se quebraram as regras inerentes ao contrato de associação: situando-se na proximidade de escolas públicas, transformou-se em duplicação de rede e de despesa, sendo escola concorrente que capta e selecciona alunos, deixando uma ampla oferta pública por utilizar. A forma descarada como se mantém e promove esta situação com base no falso pressuposto de saturação da rede pública, revela o uso abusivo dos contratos de associação para sustentar a opção ideológica pelo ensino privado à custa da escola pública.
As escolas públicas estão a funcionar com salas vazias e há um elevado número de professores sem componente lectiva ou com horários incompletos. Recorde-se que as recentes medidas legislativas, nomeadamente a redução do número de tempos lectivos em cada ano de escolaridade, se traduzem no aumento da capacidade de resposta das escolas. [vii] Face às necessidades actuais, a capacidade de resposta das escolas públicas do concelho é manifestamente suficiente para a totalidade dos alunos do secundário, sendo de contratualizar apenas algumas turmas do ensino básico. [viii]
O objectivo a perseguir, na actual conjuntura, deve ser o do equilíbrio das contas públicas, esperando os cidadãos dos seus representantes políticos um adequado exercício de racionalização da gestão dos recursos financeiros públicos. Ora, no caso da rede escolar do concelho, esse objectivo consegue-se com a rentabilização dos recursos disponíveis nas escolas públicas, evitando a duplicação de despesa com a contratualização de turmas para as quais a oferta pública é suficiente. [ix]
Atendendo ao exposto, cabe perguntar:
Quantos milhões de euros têm sido transferidos pelo Ministério da Educação para o grupo GPS, ao longo de todos estes anos lectivos, em virtude da contratualização de turmas para as quais as escolas públicas do concelho têm capacidade de resposta?
Por que razão é que, até agora, neste município, ninguém se preocupou com o cumprimento da lei e com uma eficaz reorganização da rede educativa do concelho, desencadeando a reavaliação da necessidade da continuidade dos contratos de associação e a fiscalização da sua aplicação, de forma a ajustar a contratualização de turmas às reais necessidades da oferta da rede pública?
Como é que se explica aos munícipes de Caldas da Rainha que, sendo o Conselho Municipal de Educação[x] um órgão fundamental de consulta e de coordenação, a nível municipal, da política educativa, ele não exista (ou esteja inactivo) neste município?
A Carta Educativa é um projecto fundamental e dinâmico de intervenção, constituindo-se num instrumento de gestão de recursos e de eficaz planeamento da rede escolar. [xi] Como é que se explica aos munícipes que até agora não se tenha promovido uma reavaliação da Carta Educativa do município de Caldas da Rainha?
Face às responsabilidades constitucionais do Estado para com a Escola Pública - aquela que efectivamente garante a igualdade no acesso à Educação – perguntamos que medidas vão ser tomadas pelo município de Caldas da Rainha no sentido de resolver os problemas aqui expostos."
Em Defesa da Escola Pública no Oeste
[i] “Os contratos de associação são celebrados com escolas particulares situadas em zonas carecidas de escolas públicas, pelo prazo mínimo de um ano.” (DL n.º 553/80, de 21 de Novembro, art.º 14.º)
Os contratos de associação com estabelecimentos de ensino particular e cooperativo regem-se pelo disposto no DL n.º 553/80, de 21 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 138-C/2010, de 28 de Dezembro, bem como pelo disposto nas Portarias 1324-A/2010, de 29 de Dezembro e 277/2011, de 13 de Outubro.
[ii] ”Para efeitos de celebração de contratos de associação, a expressão «áreas carecidas de escolas públicas» significa a não existência de estabelecimentos de ensino oficial na localidade ou situação de ruptura ou saturação dos existentes.” (Portaria n.º 613/85, de 19 de Agosto)
[iii] Em entrevista à Gazeta das Caldas, datada de 2005, o vereador da Educação, Tinta Ferreira, justificou o apoio da autarquia a este projecto com a situação de sobrelotação das escolas públicas do concelho, afirmando que o objectivo principal não era “reduzir o número de turmas nas outras escolas, mas sim reduzir o número de jovens em cada turma de modo a facilitar o ensino.” (GC, 20 de Maio, de 2005)
[iv] No período compreendido entre 2006/2007 e 2011/2012 – e tendo em conta que o número de alunos se manteve estável neste concelho - as escolas públicas perderam cerca de 500 alunos enquanto as privadas ganharam cerca de 500. (Ver informação em anexo)
[v] Ofício n.º 506, de 13 de Setembro, do Gabinete do Ministro da Educação e Ciência - RESPOSTA À PERGUNTA N.º 3770/XII/1.ª – O ataque à Escola Pública e o favorecimento aos interesses privados na Educação: o exemplo do concelho de Caldas da Rainha, no Distrito de Leiria.
[vi] “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito. (CRP, art.º 74º); “O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.” (CRP, art.º 75º)
[vii] Reorganização da rede escolar, novas regras de organização curricular dos ensinos básicos e secundário, aumento do número de alunos por turma, diminuição de tempos lectivos, desaparecimento de algumas disciplinas, etc.
[viii] No município de Caldas da Rainha “Uma eficaz reorganização da rede educativa deve levar quer em termos, de 2º e 3º CEB quer ao nível do Ensino Secundário, a uma alteração significativa do número de turmas contratualizadas com este (Colégio Rainha D. Leonor) estabelecimento de EPC.” (Reorganização da Rede do Ensino Particular e Cooperativo com “Contrato de Associação” - Estudo da Universidade de Coimbra, Janeiro de 2011, p. 361)
[ix] Memorando de entendimento - 1.8. “Reduzir custos na área de educação, com vista a uma poupança de 380 milhões de euros, através da racionalização da rede escolar, (…) reduzindo e racionalizando as transferências para escolas privadas com contratos de associação (…).
[x] “O conselho municipal de educação é uma instância de coordenação e consulta, que tem por objectivo promover a nível municipal, a coordenação da política educativa, articulando a intervenção, no âmbito do sistema educativo, dos agentes educativos e dos parceiros sociais interessados, analisando e acompanhando o funcionamento do referido sistema e propondo as acções consideradas adequadas à promoção de maiores padrões de eficiência e eficácia do mesmo.” (Decreto-Lei nº 7/2003, de 15 de Janeiro, art.º 3º)
[xi] “O Ministério da Educação e as câmaras municipais reavaliam obrigatoriamente de cinco em cinco anos a necessidade de revisão da carta educativa.” Decreto-Lei nº 7/2003, de 15 de Janeiro, art.º 20º)