os rankings como espelho
Quem deu um contributo decisivo para que o Hubble nos ilumine, também terá aberto as portas às tragédias de Hiroshima e Nagasaki. A validade dos instrumentos científicos depende da cabeça que os utiliza e com os rankings das escolas não é diferente: nas mãos de descomplexados competitivos ou de dogmáticos empedernidos pode provocar danos irreparáveis ou a conservação de taxas de abandono e insucesso escolares que nos envergonham. E importa sempre acrescentar este tipo de reflexões: "(...)O Professor Gert Biesta, da Universidade Stirling, deu há um ano, creio, uma entrevista ao Público com o significativo título “Os rankings são muito antiquados e não devem ter lugar numa sociedade civilizada" decorrem de uma questão nuclear, “Medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos”.(...)"
Revejo-me no algoritmo que voltei a publicar no post anterior e verifico-o no terreno.
Conheço muito bem a rede escolar das Caldas da Rainha que é o "ponto de partida e de chegada" do post. Por ser um concelho que acolhe o caciquismo, o pior das ideias de Liceu e de Colégio permitem a guetização social e a lógica de mercado na escolha das escolas.
As famílias mais informadas seleccionam as escolas dos seus educandos, o limite de vagas faz o resto e os rankings limitam-se a espelhar o fenómeno. Também conheço os concelhos de Chaves, Vila Real, Coimbra, Porto e Beja e a situação é semelhante; basta estudar a história das escolas, embora os recentes agrupamentos façam a terraplenagem do que existe (para o bem e para o mal, na minha modesta opinião mais no sentido negativo) e favoreçam a privatização de lucros.
A escola onde sou professor, a EBI de Santo Onofre, nasceu em 1993 e confirma o algoritmo. Como foi edificada no bairro social mais carenciado (dito assim para simplificar) da cidade, rapidamente os alunos obtiveram o estigma dos excluídos. A situação inverteu-se e uma década depois era a escola da moda para as pessoas com mais ambições escolares. Em meados da primeira década do milénio, qualquer ranking publicado colocava-a nos primeiros lugares nacionais e a comunidade enchia-se de orgulho.
Nos tempos do socratismo, a escola agrupou-se, fez uma resistência quase solitária à avaliacão de professores e ao modelo de gestão escolar, e com rasgados elogios nacionais, e pagou por isso. O breve vazio de poder foi aproveitado por uma minoria de profissionais apoiados em stakeholders que o novo modelo de gestão escolar permitiu. Uma CAP, imposta pelo Governo em 2009 e apoiada nessa minoria, certificou a tragédia. A escola deixou de ser a pretendida pelas famílias (em cerca de 6 a 7 anos perdeu perto de 50% na frequência de alunos) e os rankings são o plano inclinado que se pode ver.
Encontra aqui os rankings apresentados pelo Expresso. Há outros órgãos de comunicação social que publicam rankings mais detalhados e que são interessantes instrumentos de investigação. Na generalidade, confirmam o algoritmo.
Os dados que escolhi refere-se a listas com as escolas todas e servem para ilustrar o post. O linque indicado permite outras consultas.
Ranking 6º ano - escolas todas.
189 - Colégio Frei S. Cristóvão
293 - Escola Básica 2,3 D. João II
383 - Colégio Rainha D. Leonor
457 - Escola BI de Santo Onofre
488 - Escola BI de Santa Catarina
Ranking 9º ano - escolas todas.
117 - Escola Secundária Raul Proença
244 - Colégio Rainha D. Leonor
253 - Escola Básica 2,3 D. João II
258 - Colégio Frei S. Cristóvão
422 - Escola BI de Santa Catarina
825 - Escola BI de Santo Onofre
1032 - Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro
Ranking 12º ano - escolas todas. Coloquei entre parêntesis a classificação do ano anterior que, como é evidente, só está disponível para este ano de escolaridade.
032 (059) - Escola Secundária Raul Proença
044 (081) - Colégio Rainha D. Leonor
178 (462) - Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro
Ainda sobre este assunto, recomendo a leitura deste comentário do professor João Pereira que é membro da comissão de representantes do movimento "Em defesa das escolas públicas do Oeste".