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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

bandeira branca hasteada por um dia

20.09.12

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Este texto foi escrito em Junho de 2004.

Resolvi reescrevê-lo e reeditá-lo)

 

 

 

Passei uma tarde encantadora. Foi um descanso merecido para um corpo que vai aturando maçaduras diversas. O dia soalheiro ajudou, a cadeira de jardim encorpou-se de vez e as leituras estavam a condizer. Se a perfeição existe, estive lá perto. Foram momentos de um prazer indizível. Argumentei-me em cadeia e fiz sínteses que me elevaram as motivações. Tenho tardes assim.
 
Mas hoje, uma das leituras fez-me viajar para muito longe das letras que os meus olhos percorriam. Fiz uma visita à minha memória. Um dos meus exercícios predilectos, pois não obedece a muitas formalidades nem aos necessários - para outros tipos de visitas, é claro - pormenores protocolares. A meu gosto. Entro por ali adentro, pesquiso à minha vontade e o tempo que eu quiser, realço o que mais me interessa, embora e vezes sem conta, tropece em acontecimentos menos agradáveis. 

Foi hoje o caso. Lembrei-me do meu serviço militar. Vinte e poucos anos, muito poucos mesmo, e zero tiros no currículo. De uma hora para a outra raparam-me os caracóis, encheram-me de fardas e de sei lá mais o quê e disseram-me: vais ser comando, a honra suprema de um jovem português.
 
Chamavam-me de Prudêncio, o meu último nome, coisa que até aí me parecia exclusivo do meu saudoso e querido pai. Fui obrigado a fazer uma tropa de voluntários com detalhes engraçados: perguntavam-me: és voluntário?; respondia: não. Nos papéis punham a cruz no sim e quando mais refilasse pior: aprendi rápido e sentenciei: se tem de ser, vamos a isso.

Depois foi aquilo que se sabe. Mesmo com uma estrela aos ombros, já que ali éramos todos iguais, valha-lhes isso, a dureza e a brutalidade diárias sucederam-se até o horror se instalar. Lembro-me, entre tantas coisas tremendas, de saborear um naco de pão duro barrado com pelos da barba e sangue. Ou então, de me deitar em terrenos cravejados de balas que tinham acabado de cair. Violência acumulada em meses sem fim. Valeu-me a ausência da guerra. Não sei o que faria dos "inimigos".

Como quero compreender os jovens que lutam nas diversas guerras. Humanos que são, jamais quererão ouvir o nome do palco do único e infeliz dos teatros: o das operações militares. 

Da parte que me toca, nunca mais "perdoarei" à Amadora e a Santa Margarida por terem sido os solos dos meus horrores.

3 comentários

  • Viva Paulo,
    acompanho-te em parte dessas memórias dum tempo que passámos juntos.
    Talvez porque um pouco mais velho que tu, e já com a responsabilidade de uma filha a caminho, senti-me capaz de os obrigar a por a cruz no quadrado do não, e fui de malas aviadas para Paço d'Arcos.
    Quanto ao resto, aos "horrores" e ao que poderia ter feito a eventuais inimigos, comemos o mesmo pão que o diabo amassou.
    Abraço
    F.
  • Obrigado aos dois.

    É Francisco. E podíamos ficar aqui umas horas a relatar acontecimentos que nem pareceriam verdadeiros.

    Abraço também.
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