Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

actualidade

28.12.08, Paulo Prudêncio

 



 

 

Resisti, durante anos, a publicar os textos que esta fantástica rede me fazia chegar.

 

Em primeiro lugar, porque essa decisão obrigava-me a escrever: e isso, foi, e é, a principal ideia que orientou a criação deste meu blogue. Tenho a consciência que a escrita exige-me a arrumação das ideias e melhora a credibilidade que dou ao meu discurso interno.

 

Em segundo lugar, presumo que as pessoas que passam por aqui acabam por também receber a informação que o email nos vai proporcionando.


E confesso-o: aprecio mais o que me é dado ler do que aquilo que possa escrever. E tenho lido textos muito interessantes: bem escritos e com argumentos muito sustentados.


A época que vivemos, a sociedade da informação e do conhecimento, tem contornos completamente surpreendentes e inauditos: a informação circula de modo estonteante e provoca acontecimentos sociais imprevisíveis.


Já recebi diversos textos de Baptista-Bastos, um escritor português que também publica crónicas em órgãos de comunicação social, que me escapam: quer de modo impresso quer na internet.

 

Considero que, por vezes, os seus textos são excessivos e um pouco na linha pessimista de Vasco Pulido Valente (claro, numa geometria política oposta). Mas mantém uma grande coerência e uma argumentação que se sustenta na evolução da realidade (mesmo que se considere pertinente a questão à volta do conceito de realidade).


E hoje voltei a receber uma crónica de Baptista-Bastos. E vou publicá-la. Porque está muito bem escrita, como sempre, e porque tem matéria que merece uma atenta reflexão: concorde-se ou não com os argumentos.


Ora leia.


 
"Há dias, Joaquim Aguiar disse, na SIC, que José Sócrates não está preparado para a governação do País. Afirmação contundente, vinda de um conselheiro de Presidentes e de primeiros-ministros. O dr. Cavaco também o não estava, e dirigiu a nação durante uma longa e penosa década. Sabe-se que teve nas mãos rios de dinheiro, que trocou prioridades e atribuiu ao betão uma importância superlativa. A maioria absoluta de que dispôs colocou o português comum em estado de crispação. E a soberba dos seus áulicos recriou o espírito de obediência servil, marca d'água do salazarismo. Estamos, actualmente, na mesma situação. Quem não está de acordo, fora da carroça.

Cavaco, como Sócrates, entendia, difusamente, os princípios fundamentais da democracia, que se não limitam a questões de estatística. A democracia exige uma cultura democrática, e a identidade dessa cultura baseia-se na conciliação do respeito mútuo com a dimensão colectiva. Ambos, homens tensos, hirtos, de temperamento autoritário, desprezam a manifestação, a rua, o ardor do protesto que associam duas injunções aparentemente contraditórias: a igualdade de tratamento e diferencia- ção. [É curioso que o dr. Cavaco tenha designado o 10 de Junho por Dia da Raça, terminologia oficial do salazarismo. Raça? Que raça?].

Até hoje, não tivemos dirigentes à altura das expectativas dos portugueses. As crises, acumuladas umas nas outras, atingiram um estádio insuportável. A agitação social dos últimos meses não culmina com a questão dos combustíveis e a revolta dos camionistas. E estabelece uma relação de continuidade, cujas origens estão no desfasamento de quem dirige com a realidade circundante, e na recusa obstinada em selar um novo pacto social, que não coloque no limbo o mundo do trabalho. Pescadores parados, milhares de camiões estacionados, duzentas mil pessoas em desfile protestatário, a Igreja a dar inequívocos sinais de incomodidade, através de declarações veementes de D. Manuel Clemente e de D. Manuel Martins, pronunciamentos políticos de diversos sectores - eis a representação de uma sociedade perturbada.

Sócrates não conseguiu dar resposta aos problemas mais rudimentares. Um homem novo, incapaz de proceder à evicção do que é antigo, cediço, bafiento, praticante da cartilha de Milton Friedman, experimentada no Chile de Pinochet e um pouco por todo o mundo - com sangrentos rastos de miséria, morte e desespero. Não tenhamos receio das analogias. A História é uma comparação permanente. E aqueles que a não conhecem estão condenados a repeti-la.

Aparece, agora, como "novidade", a candidata do PSD, cujo catecismo político pertence às regras e aos mandamentos dos Chicago Boys. Com perdão da palavra, assistimos à reincarnação do irracional". 

 

 

Baptista-Bastos.

 

(reedição. 1ª edição em 15 de Junho de 2008)