Nevoeiro
Repetem-se à náusea as insuficiências de Cavaco Silva e de Passos Coelho. Compreende-se que as pessoas não gostem de ver os primeiros dignitários do Estado em figuras tão cinzentas, mas, e muito sinceramente, não entendo como se esperava um registo mais entusiasmante.
É escusado projectar um qualquer rasgo e dá ideia que desesperam, mais o segundo do que o primeiro, por eliminar de vez a esperança social-democrata num dos países mais desiguais da Europa do sul.
Como se sabia, a palavra não é forte em nenhum dos dois e isso não ajuda. É que a esperança alimenta-se também do sonho, seja em prosa ou em poesia. Esperar que aconteça um qualquer discurso empolgante e mobilizador, é o mesmo que ir à procura de um forte nevão no Agosto alentejano; mesmo que profundo.
São duas personagens que conjugam muito bem o sacrifício com a austeridade e com o empobrecimento; não saem desse registo e gabam-se: o presidente anda ufano a declarar a inveja dos nossos parceiros e P. Coelho aspira à reencarnação do ilusório "bom aluno", desta vez em nuance invertida.
A actual repetição, provocada ou não, dos seus pequenos lapsos ou dislates serve de nevoeiro para as receitas ultraliberais em curso. Só que a névoa nunca foi boa companheira para os regimes políticos. Normalmente sucedem-se longos períodos onde as trevas se ocupam do protagonismo histórico.