fim das eleições directas nas escolas?
A mais recente mudança na legislação que tutela o modelo de gestão nas escolas portuguesas suscita-me a maior perplexidade. Por sair da pena de um governo do partido socialista, desde logo, e por consagrar um conjunto de ideias que revelam um profundo desconhecimento sobre lideranças em ambiente escolar.
Poderia socorrer-me dos inúmeros estudos internacionais, a exemplo do que pode encontrar-se por aqui, mas vou tentar ser sucinto e objectivo.
Nesta discussão, e ainda como ponto prévio, deve referir-se os estudos realizados dentro do próprio Ministério da Educação que apresentam conclusões muito positivas em relação ao actual modelo de gestão escolar.
Mudar o quê e porquê?
Desde 1992, em algumas escolas a nível experimental, e desde 1998 em todas elas, que existiu um nível de decisão consagrado como o "órgão máximo" no âmbito da organização dos estabelecimentos de ensino. Teve duas nomenclaturas: Conselho de Escola em 1992 e Assembleia de Escola desde 1998; era composto pelos diversos actores da comunidade educativa. Uma coisa descomunal, o que desde logo se tornou evidente.
Por outro lado e noutra dimensão do problema, o órgão executivo das escolas poderia obter dois tipos de composição: em 1992 institui-se a ideia do director executivo com dois adjuntos e dois assessores e a partir de 1998 as escolas escolheram entre esse tipo de composição unipessoal ou optaram por um Conselho Executivo composto por um presidente, dois vice-presidentes e dois assessores: a opção que se generalizou teve um sentido: um órgão colegial.
Importa referir, que o modelo unipessoal utilizado de 1992 a 1998 não requeria um processo eleitoral para a escolha do director executivo mas recorria a um concurso realizado no âmbito dos referidos Conselhos de Escola. Verificou-se, logo aí, a gritante fragilidade democrática da solução.
A não eleição directa do órgão de gestão e direcção escolar incorre em duas fraquezas graves e preocupantes: selecção do director executivo com base em dados de certificação - é só antecipar um bocado e pensar (serve, como exemplo, o concurso para professores titulares), no processo de selecção e hierarquização de critérios - e ausência de legitimidade democrática: na prática, deixa de ser escolhido por todos para passar a ser escolhido por dois ou três. Isso faz toda a diferença.
Se como já foi referido, o "órgão máximo" (um verdadeiro eufemismo, repito) carece de conhecimento para o exercício deliberativo que a lei lhe impõe, passa, com o nome de Conselho Geral, a ter funções ainda mais abrangentes: escolher por concurso o director executivo. Escolherá com base nos necessários critérios de certificação mas nunca conseguirá equacionar as dimensões de qualificação para o exercício de tão exigente função.
A qualificação para o exercício de direcção escolar implica que inscrevam-se na personalidade do indivíduo as conhecidas faculdades humanas e pessoais imprescindíveis à liderança: é mesmo decisivo.
Sabe-se que quanto mais micro é o sistema mais evidentes se tornam as qualificações. Se até aqui, os órgãos de gestão eram eleitos directamente por toda a comunidade escolar em assembleias eleitorais constituídas por docentes, não docentes e encarregados de educação, o que favorecia também a fundamental legitimidade democrática dos eleitos, a quem é que interessa este autêntico retrocesso?
Já conhecemos vários exemplos que ilustram o que tenho vindo a referir. Ainda recentemente, e com o processo vertiginoso de agrupamento compulsivo de escolas, os órgãos de gestão ficaram com os mandatos interrompidos todos os anos lectivos. Procederam as Direcções Regionais de Educação a concursos para presidentes de comissões provisórias. Basta estudar os processos para perceber o que está em causa e o que pode vir a acontecer. Mas nem aprendemos, nem levamos muito a sério a função de dirigir o que quer que seja e mais do que isso: somos uma sociedade desconfiada: neste caso, temos uns governantes que, por método e sistema, desconfiam dos professores. E mais ainda: mudamos incessantemente e com muito atrevimento: isso deriva de um ideia que cada vez mais parece-me acertada: os portugueses não apreciam um valor muito precioso: a organização.
Sabemos que alguns dos argumentos que sustentam a "perversidade" dos actos eleitorais nas escolas assentam na ideia do eleito pautar o seu exercício pela defesa dos interesses dos seus eleitores: espantoso. A ser assim, acabava-se com todas as assembleias eleitorais do país. O primeiro-ministro passava a ser escolhido em Bruxelas - onde se encontra gente mais competente do que os interesseiros eleitores portugueses - e os presidentes de Câmara no Terreiro do Paço - onde se instalam portugueses bem mais conhecedores das verdadeiras necessidades do país -. É bom recordar o seguinte: os partidos políticos portugueses, com a ideia da aumentar a sua legitimação democrática, instituiram o método de eleições directas para a escolha de quem governa os seus interesses.
Sabemos que há pessoas que lideram bem com qualquer modelo: têm é que subverter, invariavelmente, o espírito da lei.
Também sabemos que existem pessoas muito pouco qualificadas que são eleitas para a direcção das escolas. E são eleitas em mandatos sucessivos - já agora, esta lei tem um aspecto positivo: determina a limitação de mandatos, julgo eu, um aspecto que até aqui era um imperativo democrático que ficava, pasme-se, ao critério do eleito -. Por eleição directa podem ser substituídas. Com este tipo de concurso é muito mais difícil, apesar de, agora, como anteriormente, preverem-se mecanismos de destituição de funções antes do fim dos mandatos. Mas, e nestes sistemas megalómanos em que quase todos fazem de conta, isso não passa de mais um exercício de retórica.
O que está a passar-se abre um gravíssimo precedente. Em poucos anos se concluirá, novamente, da inoperacionalidade dos Conselhos Gerais para o exercício das funções que lhe estão cometidas. Mas desta vez será ainda mais evidente: a ideia de fazer de conta é incompatível quando substitui a eleição directa. Nessa altura, voltar-se-á a mudar e temo que ainda para pior: condicionar o nobre exercício de gestão escolar a interesses partidários, económicos ou de ocasião.
Passo a passo e sem aprendermos com a história, voltaremos a viver momentos de verdadeira convulsão social. Em vez de aprofundarmos a democracia recorremos a soluções gastas e do passado.
E mais uma vez afastamos os nossos jovens da possibilidade de renovar as ideias e os métodos nas lideranças nas nossas escolas.
Têm a palavra os professores.
Escrevia, algures em 1998, uns textos para uma revista sobre educação e o coordenador pediu-me que inscrevesse algumas ideias sobre reformas. Lembrei-me dos remédios. Fui ler a literatura do “Benuron” - medicamento para todas as dores e para todas as maleitas gripais e constipais - peguei no seu modelo organizativo e fui andando. Foi uma noite bem passada. Sobre autonomia e gestão das escolas ficou assim:
Registo da patente: equipa do Ministério da Educação conduzida pela Ministra Manuela Ferreira Leite.
Composição: sistema complexo de órgãos de decisão.
Indicações terapêuticas: estabelece regimes democráticos eficientes e plenamente participados, em que a repetição das agendas das reuniões consagra o seguinte princípio pedagógico: repetir para aprender; respeitando a posologia e tomado de forma consistente, transforma qualquer escola num espaço organizativo verdadeiramente português: muitos patamares de decisão com órgãos e mais órgãos convenientemente dispersos;
Contra-indicações: em estabelecimentos de ensino com menos de 1000 docentes, 300 não docentes e 10000 alunos, tende a tornar-se num processo em que as mesmas pessoas encontram-se vezes sem conta para discutir os mesmos assuntos.
Precauções especiais de utilização: sempre que se verifiquem as contra-indicações indicadas, todos devem fazer, o mais possível, de conta.
Prazo de validade: depende da capacidade de resistência às doenças.